sábado, 19 de setembro de 2009

Paulo Freire - Um mestre na periferia do capitalismo



Hoje, 19 de setembro de 2009, um grande pensador e educador brasileiro completaria 88 anos de existência. Refiro-me ao mestre Paulo Freire. Na condição de educador, que sou, tenho que reconhecer que infelizmente sua obra é muito mais citada do que lida e conhecida.
Como ele mesmo disse "não há prática de educação que seja neutra". É isso! Talvez aí esteja uma chave para seu aparente esquecimento. Digo aparente porque muitos pensadores, educadores e instituições não deixaram, graças a Deus, essa efeméride passar em branco. Hoje, quando se configura um novo campo teórico denominado "Teoria pós-colonial", ferramenta importante para discussões e práticas em torno da educação, estudos culturais, cultura e política, etc, a sua figura ganha mais vulto, na medida em que antes mesmo da consubstaciação desse campo de estudos, a sua obra já a prenunciava. Seu nome é citado contemporaneamente como um pensador cuja teoria e prática já se situava nesse campo.
A obra de Freire parece estar em plena sintonia com uma indagação da antropóloga Gayatri Spivak, que em uma obra já clássica na Antropologia de viés pós-colonial, "pode o subalterno falar?", indagava da possibilidade do subalterno se subjetivar plenamente, se livrando assim, da heteronomia e afirmando sua autonomia. Não foi outra a luta de Freire se não a de fazer do subalterno um sujeito autônomo e capaz de ser um agente pleno da história.
Por tudo isso e mais um milhão de coisas, é necessário que de vez em quando demos uma estudada na obra desse mestre inspirador (por mais que as vejas da vida diga o contrário). Salve o dia 19 de setembro!!

ps. Ah, o título desse postagem foi "arrastada" como diria Tom Zé em sua estética do plágio, de um título de Roberto Schwarz sobre Machado de Assis.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Cultura em novos cenários

CULTURA EM NOVOS CENÁRIOS
texto de Ricardo Moreno

O termo cultura é um daqueles termos que diz tudo e não diz nada ao mesmo tempo. Ele tem sofrido diversas interpretações ao longo do tempo e variou muito ao sabor das disciplinas que tratam do tema. Até aproximadamente o século XVIII, na Europa, o termo tinha, entre os grupos letrados, a tendência de se referir à literatura, à arte ou à música. Gradativamente ele vai perdendo essa aura para se referir a quase tudo compreendido em uma dada sociedade. Coisas como comer beber, falar, vestir, entre outros, passaram a ser entendidas como culturais. Essa inflexão no termo vai praticamente consolidar a idéia de cultura como algo que se opõe à natureza. Nessa perspectiva o cultural vai se confundir com o social. Essa inflexão de viés culturalista foi importante na medida em que os diversos fazeres dos mais variados povos passaram a ser aceitos como cultura. Portanto, cultura não se definia mais como aquelas práticas identificadas com as classes superiores. No entanto, e não poderia ser diferente considerando uma sociedade complexa de classes e hierarquizada, outros termos passaram a ser agregados ao termo cultura para designar suas características. Daí vão surgir termos como “cultura erudita”, “cultura popular”, “alta cultura” etc.

No Brasil a introdução do termo na cena política/intelectual vai praticamente redimensionar as explicações e entendimentos que se tem do país. Foi a partir do trabalho do sociólogo Gilberto Freyre, nos anos 1930, que se operou uma tentativa de superação dos discursos raciológicos que estavam em voga na então emergente ciências sociais brasileira. Dessa forma buscava-se entender as condutas e valores dos grupos sociais, étnicos, etc., como construções ou estratégias frente a uma dada realidade, assumindo assim uma forma fluida e dinâmica em oposição a uma visão reificada ou naturalizada.

É, portanto, nessa perspectiva de entendimento de cultura como construção de subjetividades e valores, que ela vai cumprir um papel importante nos novos cenários no século XX. É sintomático, por exemplo, que no pensamento marxista do século XIX a cultura tenha apenas um papel secundário, sendo entendida meramente como superestrutura, ou seja, reflexo da infra-estrutura (modos de produção), esta sim, o verdadeiro fator determinante das condições objetivas da sociedade. No século XX autores de orientação marxista como Gramsci, Adorno, Hobsbawm, Raymond Williams e Fredric Jameson passam a dar mais peso à esfera cultural vendo-a não mais como condição reflexa da realidade infra-estrutural, mas como campo formador de consciências.

Tratando de uma forma muito esquemática e simplificada pode-se afirmar que na modernidade, momento identificado com a industrialização, o foco estava na produção, ou na infra-estrutura, na visão marxista. Simbolicamente podemos tomar a década de 1930 como emblemática, na medida em que ali ocorreu a conhecida crise no sistema capitalista em função da super abundância produtiva dos Estados Unidos. Há em seguida um deslocamento da produção para o consumo. Era preciso, a partir de um sistema midiático de comunicação (rádio, jornais, cinemas), atuar na construção de estilos de vida voltados para o consumo. É aí que começa o momento pós-industrial, ou pós-moderno como querem alguns. Fredric Jameson prefere chamar de capitalismo tardio, e a pós-modernidade seria então um novo estágio na configuração capitalista.

Desde a segunda metade do século XIX, mais enfaticamente no século XX, ocorreu a constituição de um grande aparato midiático de produção cultural conhecido como indústria cultural. Esse sistema, altamente monopolista e concentrador, guarda uma relação estreita com o sistema que o gera. Ele não é apenas um mero transmissor de entretenimento descompromissado com o poder. A indústria cultural, termo cunhado pelos filósofos Theodor Adorno e Max Horkheimer, foi muito estudada pelos criadores da Escola de Frankfurt. Adorno, fugindo da Alemanha nazista, residia nos Estados Unidos justamente no momento de consolidação desse grande aparato industrial, e, compreensivelmente manifestava uma visão um tanto pessimista quanto à eficácia do controle das mentes efetivadas por esse sistema.

No final do século XX e início do século XXI, talvez em sintonia com essa etapa pós-industrial, começa a surgir em vários países a preocupação em construir o que tem sido chamado de “economia da cultura”. Segundo o Banco Mundial essa economia já é responsável por 7% do PIB global. Na Inglaterra tem havido investimentos significativos nesse setor com vistas a produzir um substituto à indústria manufatureira. Importante também salientar a constituição de um mercado fonográfico internacional voltado para a música étnica.

O Brasil também está atento a esse processo, e em 2006 criou o PRODEC – Programa de Desenvolvimento da Economia da Cultura. O programa se porpõe a constituir um ambiente favorável ao desenvolvimento das empresas criativas e dos criadores, para que o mercado possa ampliar-se, ganhar eficiência e realizar o seu potencial, não apenas de sustentabilidade econômica, mas de ganhos sociais (emprego, renda, inclusão ao consumo de bens culturais). Nesse sentido as culturas populares têm sido contempladas e se constituem como importante lócus para o desenvolvimento econômico. A essa iniciativa ainda se juntam outras tais como os “pontos de cultura” e a constituição do patrimônio imaterial brasileiro.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

United breaks guitars

Vejam que história interessante (não sei se é absolutamente verdadeira, mas...): um músico profissional estadonidense viajou pela empresa aérea United Airlines nos EUA, tendo despachado seus instrumentos como bagagem. Na chegada, a empresa entregou a sua guitarra Taylor quebrada. Ele tentou de todo jeito ser indenizado, em cerca de US$ 2.000.00. Depois de várias tentativas frustradas e muita
enrolação, ficou no prejuízo e, injuriado, compôs uma música como protesto e
fez um clip debochado - "United breaks guitars" - e sapecou no YouTube. A música é
do estilo country, tem uma levada bem prá cima, descontraída e alegre. O clipe tá fazendo o maior sucesso com milhões de acessos. A companhia aérea United Airlines já apresentou a ele várias propostas para que tirasse o clip do ar, todas recusadas. Já chegou a oferta de US$ 200.000.00 e o filminho continua no ar. E ele disse que agora só com U$ 2.000.000.00 O cara foi esperto e deu o troco, sacaneando a United... Segundo ele, o tempo dos "espertos" da United passou. E o clip continua arrasando!
Veja o clipe legendado em

http://www.youtube.com/watch?v=t53LYUamBZI

A historinha acima não é apenas divertida. Ela nos dá pistas de novas configurações políticas que estão em curso. Refiro-me ao que o antropólogo Néstor Canclini pensou com relação ao consumo como força política. Outra coisa é o papel da cultura frente a essas forças tradicionais, tipo empresas, mega-corporações, etc. Uma canção no youtube pode valer milhões, e aí vai pelos ares toda a prepotência da megacorporação...

terça-feira, 15 de setembro de 2009

O Som do Imaginário ou Roqueiros de Antigamente

O Som do Imaginário ou Roqueiros de Antigamente

Por Ricardo Moreno


O articulista desta coluna escreve estas linhas ainda sob os afetos do falecimento do ídolo Zé Rodrix. É certo, talvez, que a morte seja para nós, como escreveu o filósofo Heidegger, “a possibilidade mais própria e incondicionada, certa e, como tal, indeterminada e insuperável”. Mas mesmo assim, acrescenta ele, a excluímos de nossa cotidianidade e a remetemos para um campo fora do nosso horizonte possível, como se ela dissesse respeito ao SER, mas não ao ser individual que somos. Não obstante esse exercício de exclusão existencial da morte, ela imiscui-se em nossas vidas e nos obriga ao exercício da reflexão e do sentimento.

Zé Rodrix foi um desses artistas inquietos e versáteis que traduziu em canções todo um imaginário de uma época e de uma geração. Canções como “ama teu vizinho como a ti mesmo”, “hoje ainda é dia de rock”, “primeira canção da estrada” e “casa no campo”, não só traduziam todo um conjunto de desejos de uma geração insatisfeita com o status quo, como apontavam para um modo de vida que, independente de se fazer a opção de ir ou não morar em comunidades alternativas, estava ao alcance de todos em suas práticas cotidianas.

Rodrix participou, como quase todos de sua geração, dos festivais de música popular da década de 1960. Esteve no grupo vocal “momento quatro” que acompanhou Edu Lobo na interpretação da canção “ponteio” (vejam no youtube, ele é o mais baixinho e ainda não usava bigode); venceu, com “casa no campo”, parceria com Tavito, o festival de Juiz de Fora em 1971; participou também nessa época do grupo “som imaginário”, que acompanhou Milton Nascimento; e inventou uma nova sonoridade, o rock rural, ao lado de Sá e Guarabyra. Sua trajetória artística é um exemplo claro de uma dinâmica musical invejável. Em seu repertório incluem-se rumbas, rocks, baladas românticas, e até samba (xamêgo da nega). É nesse sentido, um compositor pós-tropicalista, que soube fundir em sua obra tendências diferentes, sempre com muita competência e humor.

Ao lado de Sá e Guarabyra gravou apenas dois Lp’s: “passado presente e futuro” de 1972 e “terra” de 1973. Estão nesses dois discos, pérolas como a psicodélica “zepelin”, cujo arranjo é francamente inspirado nos que George Martin fazia para os Beatles. Lá está também um hino da geração mochileira: “primeira canção da estrada” (“tinha apenas dezessete anos / no dia em que sai de casa / e não fazem (sic) mais de quatro semanas / que eu estou na estrada”). Outra que merece destaque é a belíssima “mestre Jonas” que recentemente foi incluída no filme “meu nome não é Johny”.

Os arranjos também compõem um aspecto importante na obra de Zé Rodrix. Uma quase constante em sua produção da década de 1970 é o uso dos metais. Destaco aqui o arranjo feito pelo próprio Zé, para a canção “casca de caracol” do Lp “I acto” (primeiro disco solo) de 1973. Neste arranjo os metais (trombone, trompete e trompa – esta última tocada pelo educador Bohumil Med) dialogam de forma muito sutil e criativa com a linha de baixo. Outro arranjo magistral foi o arranjo feito para a clássica canção cubana “guantana-mera” do disco “quando será?” de 1977. Se prestarmos atenção notaremos que durante toda a canção não há presença de nenhum instrumento típico de acompanhamento (baixo, bateria, violão etc) a base harmônica é feita por vozes de um coral, e uns sinos. Um primor de delicadeza e de utilização sutil dos recursos musicais.

A obra de Zé Rodrix é muito inspira-dora, e se posso aqui assumir a função de conselheiro, sugiro aos músicos e compositores mais jovens que ouçam a obra desse irrequieto compositor popular. Ah, e sugiro também que os amantes da boa e velha mpb se deliciem com a obra desse carioca e brasileiro de boa cepa.

Obs.: Algumas ideias desenvolvidas aqui foram concebidas em uma daquelas conversas instigantes no restaurante “ora pro nobis” em Santa Teresa. Uma parte do título foi sugerida pelo jornalista Jorge Veloso (o som do imaginário). A expressão “roqueiros de antigamente” era como meu filho, Ícaro, então com 6 anos, se referia aos discos de Sá, Rodrix e Guarabyra. Por fim agradeço a Jaime Bastos Filho, por me chamar a atenção para o arranjo de “guantanamera”.

20 anos da morte de Raul Seixas


20 ANOS SEM RAUL SEIXAS


No próximo dia 21 de agosto estará completando 20 anos da morte de Raul Seixas e uma efeméride como esta é sempre um momento para comemoração e reflexão. Um momento para que lembremos juntos (coo-memorar) um acontecimento ou alguém cuja existência, de alguma forma iluminou os caminhos de outrem. É sem dúvida, o caso da obra do maluco beleza Raul Seixas. Raul, como era seu desejo, deixou sua marca no planeta, e essa marca se traduz pela capacidade que teve de apontar caminhos, seduzir pessoas e traduzir sentimentos.
A sua obra é tão fácil de se apaixonar, quanto difícil de analisar. Difícil pelo fato dela ser multifacetada e até mesmo contraditória. Raul, como diz uma de suas letras mais autobiográficas – “metamorfose ambulante” – se define como um ator, abrindo aí, portanto a possibilidade de encarnar múltiplos personagens e discursos diversos. Num esforço classificatório poderíamos distinguir em sua obra dois momentos distintos: a primeira fase, que vai de 1973 – ano do lançamento do álbum Krig-Há-Bandolo – até o final da década, quando lança dois Lp’s: “o dia em que a terra parou” de 1978, e “mata virgem” de 1979. Esses dois últimos álbuns da década de 1970 são como uma transição para um Raul mais cheio de altos e baixos da década seguinte.
Musicalmente Raul pertence àquela geração denominada pós-tropicalista, que incorpora ao seu modo, as propostas estéticas do movimento tropicalista. Lembremos que na década de 1960 havia, em linhas gerais, dois grupos de contestação ao regime, ou ao sistema, no sentido mais amplo. De um lado uma produção de canções identificadas com uma esquerda mais engajada, vinculada aos Centros Populares de Cultura e a música de protesto; e do outro uma proposta mais conectada a uma estética contracultural ou hippie, cujo foco estava na atitude, no comportamento e nas transformações estéticas. Geraldo Vandré, que podemos tomar aqui como ícone do primeiro grupo dá uma “estocada” na rapaziada da contracultura, quando põe na letra da sua célebre “caminhando e cantando” os versos: “... pelas ruas marchando indecisos cordões / ainda fazem da flor seu mais forte refrão / e acreditam nas flores vencendo canhão...” um claro recado ao pessoal do flower Power.
Raul então funde tropicalisticamente a influência rock, a música brega e a música nordestina. Ele costumava dizer que tinha tanto influência de Elvis Presley quanto de Luiz Gonzaga. Aliás, ele escreveu em uma de suas últimas canções que há muito tempo tinha percebido que Genival Lacerda tinha a ver com Elvis e com Jerry Lee. Mas o que marcou mesmo Raul em sua primeira fase, foi aquela mistura de posturas na qual se fundiam a irreverência; a anarquia, como proposta político-existencial; o inconformismo e o misticismo oriental, tão ao gosto das correntes contraculturais estadunidense do final da década de 1960.
Raul era um entusiasta do individualismo – “eu sou meu país”, teria declarado certa feita –, talvez por isso nunca tenha estado ligado a nenhuma corrente musical. Artistas como Zé Ramalho, que chegou a gravar um cd fazendo uma releitura de sua obra; Tom Zé, que o cita em uma de suas canções e Belchior, que gravou “ouro de tolo”, tinham afinidades musicais com ele, mas nunca estiveram muito próximos musicalmente. Em um certo momento a gravadora WEA, na qual Raul gravou “o dia em que a terra parou” quis fazer uma aproximação musical entre ele e Gilberto Gil. A idéia era que os dois compusessem juntos uma canção para este disco do Raul. Mas não deu certo... o máximo que aconteceu foi Gil participar fazendo uns vocais da faixa “que luz é essa?”.
Se formos tomar de empréstimo a classificação feita pelo poeta Ezra Pound, na qual ele categoriza os artistas em inventores, diluidores e mestre (existem outras categorias, mas ficaremos apenas com as três), poderíamos afirmar que Raul estaria na condição de mestre. Pound define como inventores aqueles que instituem formas novas, anunciando uma nova configuração ainda desconhecida. Os diluidores são aqueles que se valem das formas já prontas, mas as simplificam, diluindo seus conteúdos mais profundos. E por fim, mestre seriam aqueles que se valem dos inventores, mas ao contrário dos diluidores, realizam uma obra de excelência. Consignamos Raul na condição de mestre (para a contrariedade de muitos fãs), por acreditar que ele se valeu de elementos oriundos da estética e da postura tropicalista, mas realizou com este espólio uma obra virtuosa.
Havia nas décadas de 1960 e 1970 discussões relativas ao que se chamava na época de música comercial versus música de qualidade. As duas eram como que antagônicas. Estava presente dentro da perspectiva dos tropicalistas de forma clara e consciente, a possibilidade de estar dentro das estruturas comercias de gravadoras, e, portanto, da indústria cultural, etc., e produzir canções de qualidade. Pensando as duas produções como não excludentes, era possível estar no programa do Chacrinha, sem se tornar uma arte menor por isso. Raul usou e abusou dessa “orientação”. Em uma de suas canções, “as aventuras de Raul Seixas na cidade de Thor” ele diz textualmente: “pra se entrar num buraco de rato / de rato você tem que transar”, ou mais a frente, ainda de forma mais incisiva: “Raul Seixas e Raulzito / sempre foram o mesmo homem / mas pra aprender o jogo dos ratos transou com Deus e com lobisomem”. Ele foi, nessa perspectiva, uma invenção dele mesmo. Aprendeu dentro das estruturas burocráticas de produção de música comercial a criar um personagem cuja auto-mistificação servia para que ele pudesse passar a sua mensagem. Uma contradição total: Raul dizia mentiras para expressar a sua verdade e suas idéias.
Seja como for, Raul dos Santos Seixas, encarna como poucos o que já foi chamado de zeitgeist, ou o espírito do tempo. Sua obra dá corpo a um conjunto de inquietações que estavam pairando nos espíritos rebeldes de então. Ela viabiliza e faz escoar todo um conjunto de posturas que ansiavam por se manifestar, por isso sua aparição com o canto falado “ouro de tolo”, calou fundo nos corações e mentes da juventude brasileira do início da década de 1970.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Aquecimento global - é importante dar espaço aos diversos pontos de vista.


A questão da variação climática no planeta terra tem despertado nos debatedores, uma série de questões que muitas vezes, me parece, não ter nada a ver com ciência. As discussões veiculadas pela grande mídia são muito rasas e nos leva mais a uma postura de torcedores do que outra coisa. Os próprios modelos racionais de análise e previsão devem estar sob observação crítica de todos nós. O fato é que de repente se construiu, a partir dos relatórios do IPCC, uma realidade que parecia ser um consenso no meio científico: "o aquecimento global é uma verdade incontestável" e "o aquecimento global é por conta das ações humanas" (antropogênico). Por outro lado, as mídias mundiais deram espaço apenas para esta tese, ampliando a sensação de que elas gozam de uma unanimidade do meio cientifico. Parece que não é bem assim, e o artigo que reproduzo abaixo parece mais ponderado. De todo modo, vale a pena ter acesso ao contradito.


Mundo vai entrar em período de resfriamento global, diz cientista do IPCC

Agostinho Rosa

1657Segundo o pesquisador, "nos próximos 10 ou 20 anos" uma tendência de resfriamento natural da Terra irá se sobrepor ao aquecimento causado pelos humanos. [Imagem: NOAA]
Discurso de um crédulo


"Eu não pertenço ao time dos céticos." Em princípio, não haveria motivos pelos quais Mojib Latif começasse assim sua apresentação durante a Conferência Mundial do Clima, realizada pela ONU em Genebra, na Suíça.

Afinal de contas, ele não estava fazendo uma apresentação para mais de 1.500 dos principais cientistas do clima do mundo todo por acaso - ele próprio é um dos autores diretos dos estudos feitos pelo IPCC, o órgão da ONU que vem alertando há anos sobre o aquecimento global e a participação do homem nesse aquecimento.

Ser considerado um cético, nesse caso, significa não concordar com as conclusões dos estudos feitos pelo IPCC, seja uma discordância total ou mesmo parcial. E, ao longo dos anos, à medida que mais e mais cientistas "aderiam" às conclusões dos estudos patrocinados pela ONU, contrariar essas conclusões passou a ser encarado como uma postura política, na qual os argumentos científicos foram deixando rapidamente de serem importantes.

Latif, aparentemente temendo ser relegado ao "ostracismo científico" reservado a quem tem ousado desafiar a postura oficial, achou melhor se antecipar a qualquer acusação

Duas décadas de resfriamento global

E não é para menos. As conclusões que ele iria apresentar a seguir, baseadas nos seus estudos mais recentes, aparentemente contrariam tudo o que o IPCC tem divulgado.

Segundo Latif, "nos próximos 10 ou 20 anos", uma tendência de resfriamento natural da Terra irá se sobrepor ao aquecimento causado pelos humanos. Se ele estiver correto, o mundo está no limiar de um período de uma ou duas décadas de resfriamento global. Somente depois, diz o cientista, é que o aquecimento global se fará novamente observável.

Mudanças climáticas naturais

O resfriamento seria causado por alterações cíclicas naturais nas correntes oceânicas e nas temperaturas do Atlântico Norte, um fenômeno conhecido como Oscilação do Atlântico Norte (NAO - North Atlantic Oscillation).

Opondo-se ao que hoje pode ser considerado a ortodoxia das mudanças climáticas e do aquecimento global, o pesquisador do IPCC afirmou que os ciclos oceânicos foram provavelmente os grandes responsáveis pela maior parte do aquecimento registrado nas últimas três décadas. E, agora, o NAO está se movendo rumo a uma fase mais fria.

Os dados sobre os ciclos naturais oceânicos são suficientes para explicar todas as recentes variações nas monções na Índia, nos furacões do Atlântico, o degelo no Ártico e vários outros eventos.

Degelo natural

E Latif não está sozinho em suas conclusões contestadoras. Vicky Pope, do Serviço Meteorológico do Reino Unido, lançou uma torrente de água gelada na estrela mais recente dos defensores do aquecimento global antropogênico: a redução da camada de gelo do Ártico.

Segundo ele, a perda dramática de gelo na cobertura do Ártico é parcialmente um produto de ciclos naturais, e não do aquecimento global. Relatórios preliminares sugerem que o degelo neste ano já é muito menor do que foi em 2007 e 2008.

Fim do aquecimento global?

"As pessoas vão dizer que isso significa o fim do aquecimento global. Mas nós temos que faz esses questionamentos nós mesmos, antes que outras pessoas os façam," defendeu-se novamente Latif.

O reconhecimento da importância dos fatores naturais sobre tantos eventos antes atribuídos ao aquecimento global causado pelo homem equivale a assumir que os modelos climáticos não são tão bons quanto se desejaria para predizer eventos de curto prazo.

"Em muitos sentidos, nós sabemos mais sobre o que irá acontecer em 2050 do que no próximo ano," admite Pope.

A afirmação tem mais sentido do que possa parecer à primeira vista. Os modelos climáticos, a grosso modo, são projeções estatísticas a partir de eventos passados. Isso os torna adequados para prever tendências, embora haja muito menos certeza sobre um ponto específico na curva de projeção - vale dizer, sobre a previsão para um ano específico.

Perda de credibilidade do IPCC

Mas isto não alivia muito as coisas. Os modelos do IPCC têm sido alvo de uma sequência de críticas (1, 2, 3) que podem minar muito mais a credibilidade das recomendações do órgão do que de suas conclusões científicas.

A rigor, a descoberta de inconsistências e incompletudes nos modelos climáticos é algo mais do que previsível e verdadeiramente faz parte do desenvolvimento do trabalho científico. Nenhum cientista jamais defenderia que esses modelos sejam completos ou acabados. Na verdade, essas críticas e defeitos são até mesmo desejáveis, na medida que demonstram que o conhecimento está fazendo progressos.

O grande problema é que esses modelos e seus resultados têm sido rotineiramente apresentados como fatos definitivos ao grande público, principalmente através do que se convencionou chamar de "catastrofismo climático" - uma série de projeções alarmistas, feitas por cientistas, que têm chegado ao noticiário mas que pouco têm a ver com ciência.

O próprio fato do IPCC apresentar projeções para o ano 2100 sempre foi alvo de críticas dentro da comunidade científica, já que nenhum outro campo das ciências se atreveria a tanto. E o campo específico da meteorologia sempre afirmou que a precisão das suas previsões está na exata medida do volume de dados coletados e do período de tempo coberto pela previsão - quanto mais curto o prazo, mais precisa seria a previsão.

Com isto, torna-se muito mais problemático convencer qualquer um de que as conclusões dos modelos climáticos acertarão as previsões para daqui a 50 ou 100 anos se eles não conseguem dar conta de eventos de curto prazo. Será mais difícil convencer sobretudo os políticos, que têm o poder para iniciar atitudes concretas de combate aos efeitos do atual estilo de desenvolvimento grandemente danoso ao meio ambiente, cause ele aquecimento global ou não.

Frei Betto e a mudança nos índices de produtividade da terra

Achei esse artigo do Frei Betto no portal Ecodebate, que aliás, recomendo a assinatura do boletim deles. Muito útil para quem quer compreender o que está se passando com relação à alteração dos índices de produtividade da terra, tão combatida pela grande imprensa, notadamente pela rede bandeirantes.



Índices de produtividade da terra: Entre a Constituição e a coligação, por Frei Betto


O governo Lula encontra-se num dilema hamletiano: respeitar a Constituição e desagradar o maior partido de sua coligação eleitoral, o PMDB, ou agradar os correligionários de José Sarney e desrespeitar a Constituição.

A Constituição Brasileira de 1988 traz, no bojo, inegável caráter social. Falta ao Executivo e ao Legislativo passá-lo do papel à realidade. Uma das exigências constitucionais é a revisão periódica — a cada 10 anos — dos índices de produtividade da terra. Eles são utilizados para classificar como produtivo ou improdutivo um imóvel rural e agilizar, com transparência, a desapropriação das terras para efeito de reforma agrária.

Os índices atuais são os mesmos desde 1975! Os novos seriam calculados com base no período de produção entre 1996 e 2007, respaldados por estudos técnicos do IBGE, da Unicamp e da Embrapa. Os índices também serviriam de parâmetro para analisar a produtividade em assentamentos rurais.

Inúmeros ruralistas, latifundiários e empresários do agronegócio não querem nem ouvir falar de revisão dos índices de produtividade. É o reconhecimento implícito de que predominam no Brasil grandes propriedades rurais improdutivas e que, portanto, segundo a Constituição, deveriam ser desapropriadas para beneficiar a reforma agrária.

Na quarta, 12 de agosto de 2009, dirigentes do MST e ministros do governo Lula reuniram-se em Brasília. O MST havia promovido, nos dias anteriores, uma série de manifestações, consciente de que governo é que nem feijão, só funciona na panela de pressão. Além de reivindicar a revisão dos índices de produtividade da terra, o MST, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (FETRAF) querem a reposição do corte de R$ 550 milhões feito este ano no orçamento do Incra, quantia destinada à obtenção de terras para a reforma agrária.

O representante do Ministério da Fazenda declarou que a crise é grave, a arrecadação diminuiu entre 30% e 50% no primeiro semestre deste ano, e que o governo tem dificuldades de repor o orçamento do Incra, embora conste da lei orçamentária aprovada pelo Congresso.

Os trabalhadores rurais querem apenas que se cumpra a lei. É impossível acreditar que o Ministério da Fazenda não tenha recursos. Se fosse verdade, não teria desonerado impostos de outros setores da sociedade, como a indústria automobilística, cujo IPI mereceu desoneração de cerca de R$ 20 bilhões, e o depósito à vista dos bancos, que possibilitou a eles reter, em seus cofres, R$ 80 bilhões. O governo tem dinheiro, mas reluta em investir na reforma agrária e na pequena agricultura.

A reforma agrária viria modernizar o capitalismo brasileiro. Inclusive conter os reflexos da crise financeira mundial no setor agrícola. No Brasil, a crise afetou a produção de soja, algodão e milho, e reduziu o preço das commodities e a taxa de lucro dos produtores rurais. Mas quem pagou a conta foram os trabalhadores rurais assalariados. Cerca de 300 mil ficaram desempregados.

O agronegócio é o modelo de produção que expulsa mão de obra porque adota a mecanização intensiva. Que rumo tomaram os desempregados? Vieram engrossar o cinturão de favelas em torno das cidades, viver de bicos, enquanto seus filhos são tentados e assediados pela criminalidade. Por que o governo não assentou essa gente?

O Brasil é, hoje, o maior consumidor mundial de agrotóxicos. Na safra passada, jogaram 713 milhões de toneladas de veneno sobre o nosso solo, a nossa água e os nossos alimentos. Enquanto aumentam as exportações, aumenta também a produção de alimentos contaminados, responsáveis pela maior incidência de enfermidades letais, como o câncer. É preciso mudar o atual modelo agrícola, prejudicial ao meio ambiente e à agricultura familiar.

O prazo dado pelo presidente Lula para a revisão dos índices de produtividade da terra expirou em 2 de setembro, sem que o Planalto se posicionasse. A decisão sobre a atualização havia sido tomada em 18 de agosto, numa reunião de Lula com ministros, da qual não participou o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes. Na ocasião, foi estipulado um prazo de 15 dias.

A portaria de revisão dos índices precisa ser assinada por Stephanes e pelo ministro Guilherme Cassel, do Desenvolvimento Agrário, a tempo de entrar em vigor em 2010. Segundo a assessoria do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Cassel rubricou a medida um dia após a promessa feita por Lula, e a encaminhou a Stephanes.

O ministro da Agricultura, pressionado pela bancada do seu partido, o PMDB, já se manifestou publicamente contrário à proposta e não assinou a portaria. Resta ao presidente Lula decidir-se entre a Constituição, que ele assinou como constituinte e tem por obrigação respeitar, e o setor do PMDB que ainda encara o Brasil como um imenso latifúndio dividido entre a casa-grande e a senzala.

domingo, 13 de setembro de 2009

A revista época e seus dois enfoques...

É um exercício curioso este de escarafunchar os procedimentos midiáticos, principalmente com relação à corrida presidencial. Mas em 13/05/2008 a revista "época" publicou uma matéria sobre a então ministra do governo Lula, Marina Silva, a qual tratava a ministra como "A ministra criacionista". A ênfase em aspectos retrógrados do pensamento da ministra era flagrante. Afirmando que ela defendia o ensino do criacionismo nas escolas, etc.
Em 14/08/2009, com a senadora já fora do governo e do PT, no entanto, a mesma revista faz uma matéria tratando a ministra de forma completamente diferente. a ênfase passa a ser o "oxigênio novo" que ela trará a corrida presidencial. O criacionismo da ex-ministra é até citado, mas o enfoque...é completamente outro.
Quem quiser dar uma olhada nas matérias, segue abaixo os links. Divirtam-se!!



http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG81345-6010-506,00.html

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI88045-15223,00-SIM+ELA+E+CANDIDATA.html

FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E PEDAGÓGICOS DO MÉTODO PRÉ-FIGURATIVO DE H. J. KOELLREUTTER ARTICULAÇÕES PRELIMINARES

Segue abaixo um texto de um grande amigo, o Pedro Albuquerque, que no momento está fazendo mestrado em educação na UERJ. O texto é apenas um resumo de um belo artigo, e quem se interessar em tê-lo na íntegra, é só mandar um e-mail que o envio com prazer.



FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E PEDAGÓGICOS DO MÉTODO
PRÉ-FIGURATIVO DE H. J. KOELLREUTTER
ARTICULAÇÕES PRELIMINARES

Pedro de Albuquerque Araujo

Universidade de Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Resumo

O método/conceito1 pré-figurativo não propõe uma ruptura com os modos já
tradicionais de ensino de música, mas, ao contrário, complementá-los ampliando
horizontes existentes, acoplando ingredientes ao presente e, principalmente, procurando
vislumbrar o futuro, ou seja, pretende estabelecer um diálogo constante e uma crítica
permanente com seu objeto de estudo. Além disso o método/conceito de Koellreutter é
concebido como um modo de formação de músicos através da música, para além da
música. Em sua prática o professor, além de transmitir ao aluno conhecimentos
musicais já sedimentados, tem como objetivo estimulá-lo a questionar, pensar, produzir
conexões com o meio social em que se encontra. Questionar a posição dos próprios
professores, incitando-os a mudar da postura tradicional e passiva, a uma outra
produtora e ativa, é também uma das especificidades desta visão epistemológica e
pedagógica.
Pensar, para Nietzsche, seria uma atividade provocada por um poder, uma força
externa ao pensamento, não o exercício de uma faculdade (como diria Kant), mas algo
extraordinário ao próprio pensamento. Tal força exerce-se com tal potência e com
tamanha violência que lança o pensar num devir-ativo. Esse conceito de Cultura ou de
uma tipologia cultural exige a compreensão da violência expressa pelas forças que se
impõe ao pensamento, para dele fazer algo ativo, afirmativo, isto é, segundo Nietzsche,
a produção de adestramento e seleção. Este conceito nietzscheano de Cultura só poderá
ser entendido plenamente, a partir do momento em que sua oposição a “Método” for
tomada de maneira rigorosa, sendo este sempre compreendido como um determinante
interno do pensador, uma “boa vontade do pensador” diria Nietzsche e assim
compreendido pela história oficial da filosofia. Porém Deleuze, ao nos definir o
conceito de paidéia, nos traz uma outra leitura da história da filosofia. A cultura, ao
contrário do método, é a violência sofrida pelo pensamento, uma formação do
pensamento exercida sob a ação de forças externas ao pensador.
É disso que Koellreutter fala a todo o momento em seu método/conceito préfigurativo,
a potencialização do outro através da valorização das diferenças. O pensar no
sentido do “sem forma” fala dessa valorização da diferença, mas é na sua relação com a
violência da exterioridade, com o devir-ativo formador que a alteridade aparece.
Admite-se, então, o pré-filosófico e o conceitual, como partes constitutivas da filosofia,
própria e intrinsecamente. Então podemos considerar que a filosofia necessita dos
conceitos e do plano de imanência, “como duas asas ou duas nadadeiras”. Fazer a
comparação, a conexão, entre o pré-filosófico (o plano de imanência) e o método/conceito pré-figurativo agora é só uma questão de agenciamento. O plano pré filosófico ou imanente seria como uma clivagem, uma divisão (não necessariamente no
meio, não fazendo a divisão equânime das partes, das coisas ou dos fatos), no Caos que
pode ter uma existência tanto mental quanto física. Já o ensino pré-figurativo funciona
na lógica do rizoma, como um cérebro, não segue um plano estratificado, ou seja, se
aproxima do Caos, mas não se torna Caos. Exatamente porque existe esta clivagem
imanente, permite que se trace Linha de Fuga, no sentido de desterritorialização e
reterritorialização (estratificação), possibilitando o delineamento de um futuro para a
Educação.


1 Denomino desse modo o “método” pré-figurativo, por entender que ele, mais que um método, expressa uma visão epistemológica e pedagógica. O que significa dizer que, nesta forma de ensino, o processo se torna mais importante que o produto.


Palavras-chave: Koellreutter, Pré-Figurativo, devir-ativo, Nietzsche, Deleuze.