quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Cultura em novos cenários

CULTURA EM NOVOS CENÁRIOS
texto de Ricardo Moreno

O termo cultura é um daqueles termos que diz tudo e não diz nada ao mesmo tempo. Ele tem sofrido diversas interpretações ao longo do tempo e variou muito ao sabor das disciplinas que tratam do tema. Até aproximadamente o século XVIII, na Europa, o termo tinha, entre os grupos letrados, a tendência de se referir à literatura, à arte ou à música. Gradativamente ele vai perdendo essa aura para se referir a quase tudo compreendido em uma dada sociedade. Coisas como comer beber, falar, vestir, entre outros, passaram a ser entendidas como culturais. Essa inflexão no termo vai praticamente consolidar a idéia de cultura como algo que se opõe à natureza. Nessa perspectiva o cultural vai se confundir com o social. Essa inflexão de viés culturalista foi importante na medida em que os diversos fazeres dos mais variados povos passaram a ser aceitos como cultura. Portanto, cultura não se definia mais como aquelas práticas identificadas com as classes superiores. No entanto, e não poderia ser diferente considerando uma sociedade complexa de classes e hierarquizada, outros termos passaram a ser agregados ao termo cultura para designar suas características. Daí vão surgir termos como “cultura erudita”, “cultura popular”, “alta cultura” etc.

No Brasil a introdução do termo na cena política/intelectual vai praticamente redimensionar as explicações e entendimentos que se tem do país. Foi a partir do trabalho do sociólogo Gilberto Freyre, nos anos 1930, que se operou uma tentativa de superação dos discursos raciológicos que estavam em voga na então emergente ciências sociais brasileira. Dessa forma buscava-se entender as condutas e valores dos grupos sociais, étnicos, etc., como construções ou estratégias frente a uma dada realidade, assumindo assim uma forma fluida e dinâmica em oposição a uma visão reificada ou naturalizada.

É, portanto, nessa perspectiva de entendimento de cultura como construção de subjetividades e valores, que ela vai cumprir um papel importante nos novos cenários no século XX. É sintomático, por exemplo, que no pensamento marxista do século XIX a cultura tenha apenas um papel secundário, sendo entendida meramente como superestrutura, ou seja, reflexo da infra-estrutura (modos de produção), esta sim, o verdadeiro fator determinante das condições objetivas da sociedade. No século XX autores de orientação marxista como Gramsci, Adorno, Hobsbawm, Raymond Williams e Fredric Jameson passam a dar mais peso à esfera cultural vendo-a não mais como condição reflexa da realidade infra-estrutural, mas como campo formador de consciências.

Tratando de uma forma muito esquemática e simplificada pode-se afirmar que na modernidade, momento identificado com a industrialização, o foco estava na produção, ou na infra-estrutura, na visão marxista. Simbolicamente podemos tomar a década de 1930 como emblemática, na medida em que ali ocorreu a conhecida crise no sistema capitalista em função da super abundância produtiva dos Estados Unidos. Há em seguida um deslocamento da produção para o consumo. Era preciso, a partir de um sistema midiático de comunicação (rádio, jornais, cinemas), atuar na construção de estilos de vida voltados para o consumo. É aí que começa o momento pós-industrial, ou pós-moderno como querem alguns. Fredric Jameson prefere chamar de capitalismo tardio, e a pós-modernidade seria então um novo estágio na configuração capitalista.

Desde a segunda metade do século XIX, mais enfaticamente no século XX, ocorreu a constituição de um grande aparato midiático de produção cultural conhecido como indústria cultural. Esse sistema, altamente monopolista e concentrador, guarda uma relação estreita com o sistema que o gera. Ele não é apenas um mero transmissor de entretenimento descompromissado com o poder. A indústria cultural, termo cunhado pelos filósofos Theodor Adorno e Max Horkheimer, foi muito estudada pelos criadores da Escola de Frankfurt. Adorno, fugindo da Alemanha nazista, residia nos Estados Unidos justamente no momento de consolidação desse grande aparato industrial, e, compreensivelmente manifestava uma visão um tanto pessimista quanto à eficácia do controle das mentes efetivadas por esse sistema.

No final do século XX e início do século XXI, talvez em sintonia com essa etapa pós-industrial, começa a surgir em vários países a preocupação em construir o que tem sido chamado de “economia da cultura”. Segundo o Banco Mundial essa economia já é responsável por 7% do PIB global. Na Inglaterra tem havido investimentos significativos nesse setor com vistas a produzir um substituto à indústria manufatureira. Importante também salientar a constituição de um mercado fonográfico internacional voltado para a música étnica.

O Brasil também está atento a esse processo, e em 2006 criou o PRODEC – Programa de Desenvolvimento da Economia da Cultura. O programa se porpõe a constituir um ambiente favorável ao desenvolvimento das empresas criativas e dos criadores, para que o mercado possa ampliar-se, ganhar eficiência e realizar o seu potencial, não apenas de sustentabilidade econômica, mas de ganhos sociais (emprego, renda, inclusão ao consumo de bens culturais). Nesse sentido as culturas populares têm sido contempladas e se constituem como importante lócus para o desenvolvimento econômico. A essa iniciativa ainda se juntam outras tais como os “pontos de cultura” e a constituição do patrimônio imaterial brasileiro.

Um comentário:

  1. Pois é, Ricardo! Que bom que o Brasil esteja atento às mudanças que vêm ocorrendo no sentido de promover essa "economia da cultura". Eu mesmo desconhecia o PRODEC e vou procurar me informar mais sobre o tema. Excelente artigo! Abração!

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