sábado, 2 de junho de 2012

A MÚSICA E OS NOVOS TEMPOS DE SIMULAÇÃO




              Vivemos realmente o tempo da simulação e da dissimulação. Não, prezado leitor, não farei aqui aquele discurso do tipo “ah, que tempos horríveis estes em que vivemos”, ou aquele outro: “antigamente é que era bom”. Há uma tendência em muitas pessoas em ver o presente sempre como ruína e o passado como um tempo ideal no qual parece que tudo era muito melhor. Há sobre esse assunto um conto do escritor dinamarquês Hans C. Andersen intitulado “as galochas da fortuna”, no qual uma certa galocha encantada fazia com que todos que a usassem fosse automaticamente transportados para o tempo ou condição em que o usuário considerasse ideal. Os desfechos das histórias de cada usuário da galocha não eram os melhores possíveis, mostrando assim que o “ideal” é só uma construção da nossa consciência.
            Mas o que trouxe realmente esse assunto à baila nesta coluna foi o fato de um aluno ter me chamado atenção para uma, como dizer, artista virtual (quase que eu dizia inexistente). Trata-se de Hatsune Miko, uma criação holográfica com voz sintetizada por um software chamado vocaloid. Não se trata de dublagem, e sim de um programa que sintetiza a voz humana. A cantora virtual é uma criação da empresa japonesa Crypton Future Media e faz muito sucesso entre o público jovem japonês. Ela é na verdade uma boneca holográfica tridimensional, e em seus shows é acompanhada por uma banda atual (uso o termo como sugerido pelo pensador canadense Pierre Levy, para quem o contrário de virtual não é “real” e sim “atual”). São mega espetáculos com a presença de milhares de pessoas que pulam, dançam e cantam junto com a cantora.  
            É verdade, como diriam alguns menos entusiastas dessas novidades tecnológicas, que se trata apenas de um grande feito tecnológico completamente esvaziado de qualquer profundidade ou densidade artística. De fato, a música veiculada por esse projeto é extremamente banal, mas que cumpre sua função de fazer dançar os adolescentes, e considerando que este seja o objetivo, ela cumpre de forma exemplar. As letras também, pelo que pude ver, estão na esfera do interesse dos adolescentes. Fala de encontros, beijos, ficar juntinhos, etc.
Mas talvez haja mais que isso para ver na novidade. Os usos futuros dessa tecnologia são talvez ainda impensáveis, e mais a frente é possível que utilizações menos banais possam surgir no horizonte. Não há dúvida de que as tecnologias não são apenas meros suportes para a veiculação de conteúdos. Elas guardam, com esses últimos, uma relação de proximidade na qual as interferências são inevitáveis. “o meio é a mensagem”, já foi dito nos anos 1960 pelo também canadense Marshall McLuhan. Há diversos estudos no sentido de evidenciar como que novas plataformas tecnológicas possibilitam formulações novas, que seriam inviáveis em suportes antigos.
            Mas voltando à nossa japonezinha, ela tem uma página no facebook que faz a alegria da galera teen. A página já conta com mais ou menos 500.000 pessoas e a própria cantora (se é que é possível) interage com os fãs fazendo promoções, mostrando novas canções etc. É muito curioso! Ela própria é uma simulação de uma adolescente de mais ou menos 14 anos, e considerando sua condição virtual, nunca vai passar disso. Vai ser sempre uma adolescente. Como alguém que encontrou a fonte da juventude. Isso também trás alguns elementos para que se reflita. Ela cumpriria mais ou menos o mesmo papel da nossa Sandy aqui no Brasil, com a diferença que nunca viraria mulher.
            Outra coisa que chama a atenção na figura de Hatsune é que assim como outros desenhos japoneses, ela não possui os olhos puxados, tão característicos dos japoneses. Lembro-me de um dos primeiros desenhos japoneses que vi, o Speed Racer, ele também não tinha os olhos nipônicos característicos. É possível que isso seja por conta da ambição de que o produto tenha uma aceitação internacional. É possível que os olhos puxados pudessem caracterizar por demais a origem étnica do personagem impedindo uma empatia internacional. Mas os olhos redondos podem ser também a caracterização externa de uma emulação através da qual os japoneses se modernizariam imitando o ocidente. Ou ainda, os japoneses produziriam em sua própria carne as marcas e os emblemas daqueles que encarnam a modernidade-mundo.
            Quem estiver curioso para ver a cantora é só dar um pulinho no youtube e ver os shows que lá estão disponíveis.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

O INÍCIO, O FIM E O MEIO... o filme


A sessão começaria às 18:25 hs., mas desde às 18:00 hs. eu já estava lá: vendo o cartaz, lendo os nomes, igualzinho como eu e meu irmão, na adolescência, fazíamos quando comprávamos um disco novo do Raul Seixas. Ficávamos lendo e relendo as letras, a lista dos músicos e até mesmo do pessoal da produção. A sensação pré-filme foi a mesma que eu senti no primeiro show de Raulzito que vi em 1983, no circo voador. Lembro que nesse show, por causa da lotação, tive que sentar no palco. Não me incomodei em nada, pois fiquei há pouquíssimos metros dele. Foi este um dos últimos, se não o último show, em que Raul aparece elétrico e bem disposto. Fez performances, dialogou com o público, tocou guitarra, cantou. Enfim, fez tudo que se espera de um artista no palco. Alguns anos depois eu voltaria a um show na praia, no qual Raul parecia lento e cansado. Esquecia as letras e tocava errado, tudo isso resultando num show apático e sem vigor. Logo em seguida tive notícias de um espetáculo no Parque Lage, em 1985, no qual Raul caiu no palco e não conseguiu terminá-lo.
Parte dessas histórias – subtraindo às minhas, é claro –, estão no esperado documentário de Walter Carvalho: “O início, o fim e o meio”, sobre a vida e a obra daquele que é considerado o pai do rock brasileiro: Raul dos Santos Seixas. O trabalho de Walter tem a intenção, me parece, de captar as tensões e contradições de uma figura excepcional, portador de uma enorme potência criativa, mas que apesar disso, ou mesmo por isso, é atravessado por contradições. Raul nunca foi linear e sua obra expressa até mesmo na recepção que teve, uma abrangência enorme de público. Sua obra continha elementos resultado de leituras e estudos formais, mas como embalava tudo isso num formato musical que flertava até mesmo com o brega, ficava tudo muito acessível ao grande público. E era mesmo o que ele queria, como Walter consegue evidenciar. Há sobre isso um depoimento de Caetano Veloso, que é um dos depoentes do filme, no qual ele tece comentários sobre a canção “ouro de tolo”, e o impacto que causou no momento em que surgiu. Caetano depois de um silêncio diz: “aquilo era genial”.
Mas por falar em Caetano, talvez o documentário tenha perdido um pouco por não explorar mais as diferenças entre as propostas estéticas que Raul representava de um lado, e o que Caetano e o tropicalismo representavam por outro. Quem acompanhou um pouco a obra de Raul sabe que ele mencionou isso em várias entrevistas. Há até uma canção, em seu último disco – “a panela do diabo” – em que ele tematiza essa questão: “no teatro vila velha / velho conceito de moral / bosta nova pra universitário / gente fina intelectual / oxalá, oxum, dendê / Oxossi de não sei o quê / de não sei o quê...” Ou em outra canção quando diz: “acredite que eu não tenho nada a ver / com a linha evolutiva da música popular brasileira / a única linha que eu conheço / é a linha de impinar uma bandeira...”. Fica mais do que evidente que Raul não se filiava de modo nenhum a aquela corrente que vinha de Dorival, passava por João Gilberto e chegava a Caetano e Gil. Ele se achava de outra rua...
É verdade que o documentário toca nessa questão, mas não o penetra, e Caetano por sua vez, é só elogios. Aliás, a mim pareceu que tem Caetano demais e Jerry Adriane de menos. Isso porque Jerry, apesar de estar mais ligado à fase inicial de produtor, quando Raul ainda era Raulzito, teve um papel essencial na segunda e definitiva vinda de Raul para o Rio de Janeiro. Sem essa oportunidade aberta por Jerry, dada quando os dois se conheceram na Bahia ainda na década de 1960, talvez nunca tivesse havido a transformação alquímica de Raulzito em Raul Seixas. Senti também a falta de alguns intérpretes da obra de Raul, que é bem verdade que não são muitos, mas poderiam estar ali: Ney Matogrosso, Bethânia (que gravou Gitâ no antológico show “Chico e Bethânia ao vivo no Canecão”) e outros, que poderiam falar das razões que os levaram a gravar canções do “maluco beleza”.
Raul tinha um universo feminino muito forte. Era muito apegado à mãe, casou muitas vezes e só teve filhas. (além disso, era canceriano, que dizem ser um signo feminino) e possivelmente por isso o diretor tenha tentado captar, através de suas ex-mulheres, um pouco desse universo. Mas talvez tenha errado a mão e exagerado em observações comezinhas e domésticas em excesso. Em alguns momentos parece “lavagem de roupa suja”, como se diz no vulgo.
Mas se há excessos na parte do filme que trata das ex-esposas, o depoimento do irmão, Plínio e dos parceiros, por outro lado, são, junto com a pesquisa de imagens, os pontos altos do filme. Tanto Paulo Coelho, que não é muito bem visto por uma parte dos fãs de Raul, quanto Cláudio Roberto, dão uma visão muito clara do que era aquele convívio afetivo e como funcionava o processo criativo dos dois. Paulo Coelho deixa claro que Raul inventou um Paulo Coelho compositor, e por outro lado Paulo ajudou Raul a construir o personagem Raul Seixas, personagem este do qual Raul parece que nunca mais conseguiu sair.

Gonzaguinha, Marlene e o resgate digital


Não é nenhuma novidade dizer que uma das coisas mais incríveis ligadas à interface música e digitalização é o fato de muitos acervos terem sido ou salvo do esquecimento, ou simplesmente estarem a disposição de um público muito maior do que se o mesmo acervo estivesse nos escaninhos de um museu. Já foi dito também que esse tipo de disponibilização configura o que se convencionou chamar de “civilização do acesso”, em contraposição a civilização da posse. Em música isso é bem evidente, pois enquanto eu, e todos de minha geração, na minha juventude comprava os lp’s dos artistas preferidos, a geração do meu filho aprendeu a, ao invés de comprar a obra do autor preferido, baixa-la. Alguns vão argumentar que fazer o download é de alguma maneira ter a posse da obra. Mas vamos combinar que é diferente. Hoje se armazena os arquivos em “nuvens”, faz-se o download e depois se descarta, enfim é uma relação diferente, caracterizando, como disse anteriormente, mais o acesso do que a posse.
Uma das surpresas que tive com relação a essa questão de acervos recuperados, foi o áudio dos shows que cantora Marlene e Luiz Gonzaga Jr (era assim que ele assinava no início) fizeram para a Funarte em 1977 e 1978. Como minha idade não é tão provecta assim, esse foi o primeiro show que assisti na minha vida. O espetáculo fazia parte do projeto Pixinguinha e era dirigido por Fauzi Arap. Dispensa dizer que a música popular nesse momento era um dos principais núcleos de resistência ao regime militar, cantada por Chico Buarque como uma “página infeliz da nossa história”, e dessa forma o espetáculo não poderia se furtar a ironias, duplos sentidos, etc. É importante também lembrar que Gonzaguinha, como também era chamado, era um dos artistas mais censurados do momento, tendo seu disco de estreia sido proibido na íntegra em 1973, tornando-se um Lp raro, daqueles que só alguns poucos possuíam.
Pois bem, cursava eu a escola secundária, e participava do movimento secundarista, que viria anos depois a refundar as AMES (Associações Metropolitanas de Estudantes Secundaristas) e a UBES (União Brasileira de Estudantes Secundaristas). Então lá fomos em grupo assistir o espetáculo. Não conhecia ainda a obra de Gonzaguinha, e Marlene era uma cantora de outra geração. Ela era uma daquelas cantoras do rádio que junto com Emilinha Borba foi considerada como uma das mais populares, lá pelos idos da década de 1940 e 1950. Era essa a proposta do projeto: um cantor novo com um veterano, e Gonzaguinha era naturalmente o novo. Ainda não era um cantor popular de sucesso no rádio, pois isso só viria a acontecer no início da década de 1980, e ainda tinha em torno de si a aura de maldito, pelo seu temperamento meio mal humorado. Quem o conhecia mais de perto não concordava com essa fama, mas ele mesmo tempos depois reconheceu que tinha um temperamento difícil. Eram tempos espinhosos mesmo.
A essa altura Gonzaguinha estava lançando o belíssimo disco “Recado”, e o repertório do show tinha muitas canções desse disco. Mas lá estavam outras joias como “É preciso”, canção psicanalítica na qual ele passa em revista sua relação com seus pais adotivos. Canção delicada e profunda cantada sem acompanhamento, o que potencializa sua carga dramática. E também estava lá uma singela canção chamada “Revista do rádio”, cujo sentido original era só de falar sobre o desejo de se realizar eleições para a rainha do rádio, evento que nos tempos áureos mobilizava muitos fãs das divas cantantes. Acontece que naquele momento de ditadura a simples menção da palavra eleição trazia em si um componente político muito forte. Era, como se dizia no jargão dos milicos, um ato de subversão explícita. Quando Marlene canta os versos “bons tempos aqueles / em que a gente votava... / na rainha do rádio”, no fundo, Gonzaguinha com uma voz debochada pergunta: “votava nega?”, ou em outro momento em que ele canta “Pra frente Brasil” de Miguel Gustavo em um andamento fúnebre. Os mais novos podem não entender, mas essas ironias já poderia ser caso para enquadrar o espetáculo na famigerada Lei de Segurança Nacional. Que tempos eram esses...
Muito haveria para se falar desse espetáculo e de outros ali contidos, mas sugiro que o próprio leitor dirija-se ao site da Funarte e esmiúce as preciosidades ali contidas. Faça isso leitor, e garanto que não vai se arrepender. 

domingo, 29 de janeiro de 2012

ROBERT CRUMB E A MÚSICA

         

     O sujeito que atende pelo nome que dá título a coluna deste mês é um dos mais festejados artistas da cena underground estadunidense. Nascido na Filadélfia, em 1943, e há 20 anos morando na França, ele afirma que tem vergonha de ter nascido no país em que nasceu por tratar-se de um país fascista e absolutamente nefasto. A contundência de suas opiniões só reforça a imagem criada em seu entorno a partir de sua obra como artista gráfico e criador de histórias em quadrinhos.
            Em 1993 Crumb juntou todas as histórias que tinha criado sobre música, capas de discos e cartazes e publicou numa edição intitulada Robert Crumb draws the blues, edição esta que foi publicada no Brasil em 2004 e reeditada em 2010 com o simples título “blues”, pela Conrad Editora. Nela o cartunista faz um verdadeiro tributo à música da década de 1920 e 1930, notadamente os blues rurais cantados por negros. Aliás, ele não só faz declarações de amor à música dessa época, como deplora com toda sua força tudo, ou melhor, quase tudo que foi feito depois. Certa feita ele declarou ao crítico Gary Groth: “eu odeio Frank Sinatra!”, e acrescentou que “é repulsivo o sentimento dos anos 1950 e 1960 que exalta esse estilo gângster-sofisticado de vida”.
            Crumb era colecionador de discos folk e de blues feitos numa época em que o papel da indústria de entretenimento, segundo ele, ainda não determinava padrões, modas e gostos como veio depois a fazer. Nesse sentido ele se irmana com as críticas feitas pelo filósofo alemão Theodor Adorno, que morou nos Estados Unidos na década de 1940, para quem a burocratização da produção cultural levaria essa esfera a uma condição de tal modo padronizada que pouco ou nada escaparia que pudesse ser chamada legitimamente de arte.  Mas voltando ao cartunista da Filadélfia, ele conta em uma das histórias contidas na edição citada, sua própria aventura na década de 1970, ao ir à procura dos discos antigos, dos fundadores da alma musical americana, como ele mesmo diz. Esses discos, naturalmente não eram fáceis de encontrar, uma vez que muitas das pequenas gravadoras que os produziam tinham sido extintas ou sido incorporadas por gravadoras de grande porte.
            O que Crumb queria encontrar eram aquelas primeiras gravações feitas ainda na década de vinte pelas tais gravadoras que estavam realizando experiências com artistas rurais absolutamente desconhecidos, o blues primitivo, como ele dizia. O momento era auspicioso, pois estavam na década que precedeu o grande crash da economia dos EUA, e as coisas ainda estavam muito bem. Por muito pouco dinheiro os agentes das gravadoras selecionavam os bluesman das zonas rurais e improvisavam um estúdio ali mesmo no hotelzinho da cidade. O cantor se acompanhava ao violão e cantava voltado para a parede com o objetivo de melhorar a condição acústica. Gravações precárias, sem dúvida, mas suficiente para alimentar um mercado em crescimento. A viagem que ele fez valeu não só pelas aquisições, mas porque também o colocou em contato com os fundadores da alma musical do seu país. O sul profundo, como se dizia.
            No que diz respeito à música, Crumb não era só pesquisador e melômano. Ele também botava a mão na massa. Ainda na década de 1970 fundou uma banda que tinha como repertório justamente a sua paixão musical: os bons e velhos blues e countries das primeiras gravações da sua década de ouro. A banda se chamava Cheap suit serenaders e chegou a gravar alguns discos. Crumb tocava banjo e violão, e uma curiosidade é que nas gravações apareciam alguns instrumentos atípicos tais como apitos de caçar patos e o serrote musical.
Não obstante sua ojeriza pela cultura musical contemporânea do seu país, Crumb colaborou com alguns artistas da cena pop. Ele foi amigo da Janis Joplin e pra ela fez a capa do legendário lp cheap thrills, e as letras do título de um outro:  I Got Dem OI’ Kozmic Blues Again Mama! São letras como que elétricas para expressar a “pegada” da rainha branca do Blues.           
Crumb ouvia e lia muito sobre a música dos anos 1920. Uma coisa que ele descobriu é que em Chicago, por exemplo, havia grupos conservadores muito atuantes que viam os salões como um antro de iniquidade no qual se cultivavam os piores valores. Daí, segue que esses grupos agiam como fiscais da moralidade pública indo aos tais “antros” e observando o comportamento da plebe e relatando o mesmo à prefeitura local. Os músicos e arranjadores ao perceber que ao tocar os blues mais lentos os casais tendiam a se agarrar mais, e que isso gerava relatórios muito ácidos dos moralistas, começaram, como estratégia, a tocar cada vez mais músicas mais rápidas. Isso fez com que esse tipo de música mais cadenciada começasse a cair no esquecimento. Mas mesmo essa estratégia não impediu que muitos clubes fossem sumariamente fechados, colaborando para que a música dessa década sucumbisse ante as avalanches industriais da novas modas musicais.
Há ainda muitas outras histórias deliciosas envolvendo grandes figuras do blues e do jazz como o caso do Bluesman Charlie Patton e de um dos pioneiros do jazz, Jelly Roll Morton. Este último, morto aos 36 anos, é considerado um dos inventores do Jazz. Crumb se baseou numa entrevista dada por Morton ao etnomusicólogo Alan Lomax, na qual o jazzista afirma ter sido vítima de magia negra. Enfim... um pouco da cultura pop estadunidense do século XX desfila através das histórias desse genial Robert Crumb, na visão particularíssima desse autor controvertido e genial.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Letra da paródia "Quem dá mais?"

Atendendo à solicitação do amigo Nilton Maia transcrevo abaixo a letra da paródia do samba "Quem dá mais?" de Noel Rosa postada abaixo:


Quem dá mais
(Noel Rosa, psicografado por A. A. Fontes e Ricardo Moreno)

Quem dá mais?
Por uma floresta que é cobiçada
Uma linda amazona toda enfeitada
De verde e amarelo tão linda e formosa
Tão cheia de vida florida e generosa
Cinco reais? Cinquenta reais? Quinhentos reais?
Ninguém dá mais... A Silvério dos Reis
Aceito em moeda podre ou bichada
Ou qualquer marmelada
Ainda leva de quebra uma mamata
Quem dá mais??

Por uma mineira tão rica e faceira
Com um belo dote, não é brincadeira
Um vale dourado um rio de prata
Entrego barato com uma bela cascata
Vinte reais? Vinte e um e cinquenta? Quinhentos reais?
Ninguém dá mais, de trinta reais...
Quem arremata o lote não é plebeu
Quem garante sou eu
Pra vendê-lo pelo dobro entre os seus
Quem dá mais???

Por um deputado que veio do Acre
Tão necessitado de uns poucos trocados
Votou no plenário a favor do reinado
Deu continuidade ao que foi planejado
Quem dá mais? Quem é que dá mais?
De um conto de reis
(quem dá mais? quem dá mais?)
Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três...
Quanto é que vai ganhar o leiloeiro
Que é também brasileiro
Quem em três lotes
Vendeu o Brasil inteiro
Quem dá mais???

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

MELÔ DA PRIVATARIA TUCANA


  Em 1997, mais ou menos, em pleno processo de privatização do governo FHC, um amigo, como eu muito indignado com tudo aquilo que estava acontecendo, me propôs fazermos uma paródia de um samba de Noel Rosa. O samba já trazia em seu título a "deixa" para nosso tema: "quem dá mais?". No original Noel fazia como que leilão irônico de alguns itens. Mas no final da letra ele perguntava: "quanto é que vai ganhar o leiloeiro / que é também brasileiro / que em três lotes vendeu o Brasil inteiro... quem dá mais??" Esta indagação soa ou não soa profética? 
  Bom, o fato é que fizemos a paródia e a gravamos. Agora, com as bombásticas informações trazidas a baila no livro "privataria tucana", resolvemos dar-lhe um aporte visual e disponibiliza-la no youtube. A gravação é caseira, e portanto feita com poucos recursos técnicos. Tivemos a ocasião, quando do lançamento do livro no Rio de Janeiro, de entregar uma cópia dessa montagem ao próprio autor, Amaury Ribeiro Jr. Esperamos que gostem...




Quem dá mais
(Noel Rosa, psicografado por A. A. Fontes e Ricardo Moreno)

Quem dá mais?
Por uma floresta que é cobiçada
Uma linda amazona toda enfeitada
De verde e amarelo tão linda e formosa
Tão cheia de vida florida e generosa
Cinco reais? Cinquenta reais? Quinhentos reais?
Ninguém dá mais... A Silvério dos Reis
Aceito em moeda podre ou bichada
Ou qualquer marmelada
Ainda leva de quebra uma mamata
Quem dá mais??

Por uma mineira tão rica e faceira
Com um belo dote, não é brincadeira
Um vale dourado um rio de prata
Entrego barato com uma bela cascata
Vinte reais? Vinte e um e cinquenta? Quinhentos reais?
Ninguém dá mais, de trinta reais...
Quem arremata o lote não é plebeu
Quem garante sou eu
Pra vendê-lo pelo dobro entre os seus
Quem dá mais???

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Ladrão de galinhas ou: o livre mercado mundial

Ladrão de galinhas 
por Luís Fernando Veríssimo

Pegaram o cara em flagrante roubando galinhas de um galinheiro e levaram para a delegacia. 
   - Que vida mansa, hein, vagabundo? Roubando galinha para ter o que comer sem precisar trabalhar. Vai para a cadeia! 
   - Não era para mim não. Era para vender. 
   - Pior. Venda de artigo roubado. Concorrência desleal com o comércio estabelecido. Sem-vergonha! 
   - Mas eu vendia mais caro. 
   - Mais caro? 
   - Espalhei o boato que as galinhas do galinheiro eram bichadas e as minhas galinhas não. E que as do galinheiro botavam ovos brancos enquanto as minhas botavam ovos marrons. 
   - Mas eram as mesmas galinhas, safado. 
   - Os ovos das minhas eu pintava. 
   - Que grande pilantra... 
   Mas já havia um certo respeito no tom do delegado. 
   - Ainda bem que tu vais preso. Se o dono do galinheiro te pega... 
   - Já me pegou. Fiz um acerto com ele. Eu me comprometi a não espalhar mais boatos sobre as galinhas dele, e ele se comprometeu a aumentar os preços dos produtos dele para ficarem iguais aos meus. Convidamos outros donos de galinheiro a entrar no nosso esquema. Formamos um oligopólio. Ou, no caso, um ovigopólio. 
   - E o que você faz com o lucro do seu negócio? 
   - Especulo com dólar. Invisto alguma coisa no tráfico de drogas. Comprei alguns deputados. Dois ou três ministros. Consegui exclusividade no suprimento de galinhas e ovos para programas de alimentação do governo e superfaturo os preços. 
   O delegado mandou pedir um cafezinho para o preso e perguntou se a cadeira  estava confortável, se ele não queria uma almofada. Depois perguntou: 
   - Doutor, não me leve a mal, mas com tudo isso, o senhor não está milionário? 
   - Trilionário. Sem contar o que eu sonego de Imposto de Renda e o que tenho depositado ilegalmente no exterior. 
   - E, com tudo isso, o senhor continua roubando galinha? 
   - Às vezes. Sabe como é. 
   - Não sei não, excelência. Explique-me. 
   - É que, em todas essas minhas atividades, eu sinto falta de uma coisa. O risco, entende? Daquela sensação de perigo, de estar fazendo uma coisa  proibida, da iminência do castigo. Só roubando galinhas eu me sinto realmente um ladrão, e isso é excitante. Como agora. Fui preso, finalmente. Vou para a cadeia. É uma experiência nova. 
   - O que é isso, excelência? O senhor não vai ser preso não. 
   - Mas fui pego em flagrante pulando a cerca do galinheiro! 
   - Sim. Mas primário, e com esses antecedentes...