segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Ladrão de galinhas ou: o livre mercado mundial

Ladrão de galinhas 
por Luís Fernando Veríssimo

Pegaram o cara em flagrante roubando galinhas de um galinheiro e levaram para a delegacia. 
   - Que vida mansa, hein, vagabundo? Roubando galinha para ter o que comer sem precisar trabalhar. Vai para a cadeia! 
   - Não era para mim não. Era para vender. 
   - Pior. Venda de artigo roubado. Concorrência desleal com o comércio estabelecido. Sem-vergonha! 
   - Mas eu vendia mais caro. 
   - Mais caro? 
   - Espalhei o boato que as galinhas do galinheiro eram bichadas e as minhas galinhas não. E que as do galinheiro botavam ovos brancos enquanto as minhas botavam ovos marrons. 
   - Mas eram as mesmas galinhas, safado. 
   - Os ovos das minhas eu pintava. 
   - Que grande pilantra... 
   Mas já havia um certo respeito no tom do delegado. 
   - Ainda bem que tu vais preso. Se o dono do galinheiro te pega... 
   - Já me pegou. Fiz um acerto com ele. Eu me comprometi a não espalhar mais boatos sobre as galinhas dele, e ele se comprometeu a aumentar os preços dos produtos dele para ficarem iguais aos meus. Convidamos outros donos de galinheiro a entrar no nosso esquema. Formamos um oligopólio. Ou, no caso, um ovigopólio. 
   - E o que você faz com o lucro do seu negócio? 
   - Especulo com dólar. Invisto alguma coisa no tráfico de drogas. Comprei alguns deputados. Dois ou três ministros. Consegui exclusividade no suprimento de galinhas e ovos para programas de alimentação do governo e superfaturo os preços. 
   O delegado mandou pedir um cafezinho para o preso e perguntou se a cadeira  estava confortável, se ele não queria uma almofada. Depois perguntou: 
   - Doutor, não me leve a mal, mas com tudo isso, o senhor não está milionário? 
   - Trilionário. Sem contar o que eu sonego de Imposto de Renda e o que tenho depositado ilegalmente no exterior. 
   - E, com tudo isso, o senhor continua roubando galinha? 
   - Às vezes. Sabe como é. 
   - Não sei não, excelência. Explique-me. 
   - É que, em todas essas minhas atividades, eu sinto falta de uma coisa. O risco, entende? Daquela sensação de perigo, de estar fazendo uma coisa  proibida, da iminência do castigo. Só roubando galinhas eu me sinto realmente um ladrão, e isso é excitante. Como agora. Fui preso, finalmente. Vou para a cadeia. É uma experiência nova. 
   - O que é isso, excelência? O senhor não vai ser preso não. 
   - Mas fui pego em flagrante pulando a cerca do galinheiro! 
   - Sim. Mas primário, e com esses antecedentes...

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