quarta-feira, 1 de junho de 2011

A EDUCAÇÃO BRASILEIRA E AS MANOBRAS PRIVATISTAS...

  
   É possível que alguém venha me dizer que estou, como diziam os antigos, vendo chifre em cabeça de cavalo. Mas acho que não. Senão, vejamos:  O que tem a ver esses fatos? A) a professora sindicalista Amanda Gurgel, que bombou nas redes sociais recentemente com um pronunciamento comovente numa audiência pública no Rio Grande do Norte, ter sido convidada para o programa do Faustão e terem lhe concedido preciosos 27 minutos de um horário nobilíssimo. lembrando que neste horário muitas mães e pais de alunos de rede pública de educação estão devidamente conectados à telinha numa espécie de liturgia dominical; B) a mídia escrita, televisada e radiofônica fez um ataque  fortíssimo ao MEC por este ter admitido um livro que supostamente ensinava o português errado (por mais que tenha saído em defesa do livro instituições como a ABRALIN - Associação Brasileira de Linguística, e  linguístas da maior importância como Marcos Bagno); C) o grupo Abril, dono da revista Veja, que tem escrito sistematicamente sobre o tema da educação brasileira, sempre numa perspectiva conservadora, adquiriu recentemente um dos maiores colégios privados do Brasil, o PH. 
  Essas três ocorrências citadas acima tem uma conexão clara ao meu ver: um programa de privatização para a educação, visto que esta aparenta ser um dos "gargalos" que impediram o Brasil de dar o salto para o futuro. As denúncias sistemáticas dos problemas da educação, que realmente existem, visam na verdade criar um consenso. O ardil se colocaria da seguinte forma: o Estado se mostrou historicamente incapaz de resolver o problema da educação no Brasil, de modo que a única solução é a contratação de grupos privados, o grupo Abril, por exemplo, ou Fundações, como a Fundação Roberto Marinho ou Ayrton Sena. E por aí vai... o modelo de privatização não seria obviamente feito naquele molde feito por FHC, pois seria até inconstitucional, visto que nossa carta magna declara que a educação, sem prejuízo à educação privada, seja feita pelo Estado. O processo seria feito através de parceria, na qual os grupos privados entraria com o "software", ou seja, com a tecnologia, estabelecendo metas, fiscalizando professores, criando apostilas, etc.
  Creio que seja muito grave tudo isso, e conclamo que fiquemos espertos a manobras que venham a ser feitas nesse sentido. Escola pública é pública e o estado brasileiro tem que prover os recursos para que possamos superar o atraso e realizar uma educação pública de qualidade. 10% já!!!!

segunda-feira, 30 de maio de 2011

AS PEDRAS ENCANTADAS DE LULA CORTES

A noite era convidativa. Uma lua alta e minguante desenhava no céu uma luminosidade inspiradora. Afora o problema de estacionamento, tudo concorria para uma noite auspiciosa para assistir um documentário, que para além de suas qualidades intrínsecas, era pra mim um encontro com uma cena musical que – apesar de eu não ter convivido com ela diretamente – fazia parte de minha adolescência. O documentário era “Nas paredes das pedras encantadas” dos diretores Leonardo Bonfim e Cristiano Bastos, e veiculado no Rio de Janeiro na mostra de documentários musicais In-Edit.

            O documentário é uma tentativa de recriar as histórias em torno do álbum “Paebiru” gravado em 1975 pelos então desconhecidos artistas Zé Ramalho e Lula Cortes – artista recentemente falecido. Foi o primeiro disco do Zé, e o segundo de Lula, que dois anos antes, 1973, havia gravado o não menos psicodélico “Satwa”, com o hoje cartunista Laílson. Paebiru seguiu uma trajetória que o envolveria anos mais tarde em uma atmosfera meio mítica. Isso porque logo depois de concluído, a Rozemblit, gravadora pernambucana na qual o disco foi gravado, sofreu uma inundação (uma cheia como dizemos em bom pernambuquês) e sobraram apenas algumas centenas do LP. Esse acontecimento fez com que as poucas unidades que circularam na época fossem vendidas “a peso de ouro”. Parte deles, inclusive, foi vendida pra gente de outros países, o que acabou fazendo-o conhecido de pesquisadores estrangeiros ensejando com isso seu lançamento em cd na Inglaterra e Alemanha.

            A inspiração desse disco está num sítio arqueológico situado na Paraíba em uma localidade chamada Ingá do Bacamarte, na qual se encontra uma pedra com muitos desenhos supostamente criados por uma antiga civilização já extinta. O primeiro contato que se tem notícia com este acervo arqueológico foi feito em 1598 pelos soldados liderados pelo capitão-mor da Paraíba, Feliciano Coelho de Carvalho, quando os mesmos iam no encalço dos índios potiguares.  Essa história foi contada no citadíssimo livro “Diálogos das grandezas do Brasil”, de 1618, cujo autor, Ambrósio Fernandes Brandão, interpretava os tais símbolos como “figurativos de coisas vindouras”. Algo como uma profecia.

            O documentário não apresenta imagens da época. Talvez porque não haja mesmo nenhum registro em filme daqueles momentos, mas ele consegue recriar o ambiente místico alucinógeno em que o disco foi concebido, e quais eram as ambições estéticas existenciais dos artistas envolvidos. Há momentos muito interessantes tais como o encontro de Lula e Alceu, ou as entrevistas dadas pelos moradores da redondeza da Pedra do Ingá, localidade onde se encontra a tal pedra mística que serviu de inspiração para Lula e Zé. Mas não há dúvida que o ponto alto do documentário são as falas bem humoradas e inteligentes do próprio Lula Cortes. Logo no início ele diz, em tom de chiste, que é muito dura a vida de um “pobre star” brasileiro. Isso ele fala quando estão indo na expedição à Pedra do Ingá “no pior carro do mundo, com a pista molhada e o motorista chama ‘Seu Morte’”. Sem dúvida, temos que concordar com ele!

            Lula Cortes foi um dos artistas mais “roots” (aprendi essa com meu filho) do cenário artístico musical do Brasil. Inquieto; culto; bom letrista; bom compositor e dono de um timbre de voz muito bonito, mas incapaz, assim me parece, de produzir sua própria carreira, como fizeram Alceu, Zé Ramalho e outros. Lula permaneceu até o final de sua vida como um marginal na MPB. No início da década de 1980 até que houve uma tentativa de colocá-lo em outro plano. Ele gravou pela gravadora Ariola, um álbum muito bem gravado, com encarte bonito e bom som, chamado “o gosto novo da vida”. O disco seria para colocá-lo num plano nacional, com shows de divulgação no Brasil inteiro. Era um disco que sem dúvida cairia no gosto do público, pelo menos de um público que curtia MPB, etc., mas o disco, apesar de muito bonito, não aconteceu. E não foi por causa de enchentes ou qualquer ocorrência fortuita, mas talvez por uma incapacidade de Lula em administrar a própria carreira. Uma pena para os amantes dessa senhora chamada MPB, pois muitos se tornariam, como eu me tornei, fã desse artista pernambucano.

            Em muitos momentos da projeção eu ficava pensando na necessidade de se fazer conhecer aquela cena musical que se desenvolvia em Pernambuco da década de 1970. Era sem dúvida uma ocorrência antropofágica, na qual os jovens músicos assimilavam o rock e o fundia com as manifestações culturais locais. Era uma re-leitura do rock na qual lisergia e contestação se associavam ao canto árido dos caminhos do sertão. Mas tudo isso feito por jovens urbanos cheios de referências culturais da chamada “alta-cultura” ocidental e elementos da cultura oriental (Lula trouxe do Marrocos uma cítara popular batizado por ele de tricórdio). Este foi um momento de uma florescência musical na qual muitos artistas despontaram e criaram coisas belíssimas. Ali estavam Flaviola, o grupo Ave Sangria, Marconi Notaro e outros tantos músicos como Zé da Flauta, Robertinho do Recife e Paulo Rafael. Esta cena precisa ser revisitada!

            Registre-se ainda que tudo isso acontecia em paralelo com o conhecido movimento Armorial, idealizado por Ariano Suassuna. Como eram tempos bastante radicalizados esses dois grupos, por motivos estético-existenciais, não se misturavam. Depois tudo mudou, pois Antônio Nóbrega, filho dileto do movimento Armorial cantava junto no carnaval com Chico Science, filho dileto da cena rock-underground recifense.

            No final da película dei de cara com Lenine, que olhava absorto para a tela no momento em que rolavam os créditos. Seu olhar parecia focado em algum ponto do passado, em que uma geração de artistas pernambucanos, como ele, mostrou uma força e uma qualidade criativas dignas de serem conhecidas pelo Brasil e pelo mundo. Viva a multifacetada cultura musical brasileira!

ENTREVISTA COM OLIVER SACKS SOBRE MÚSICA E CÉREBRO HUMANO

O GLOBO: O senhor concorda com Charles Darwin quando ele diz que a música teve um papel importante na evolução? Especificamente na seleção sexual, como um atrativo a mais para o sexo oposto?
OLIVER SACKS: Como o comportamento e as suscetibilidades não deixam registros fósseis, é difícil saber como nossos ancestrais se comportavam.
Mas estou inclinado a pensar que a música surgiu muito cedo na espécie humana, tão cedo quanto a linguagem. Linguagem e música são fontes de comunicação primordiais.

O GLOBO: O senhor discorda, portanto, de Steven Pinker e de outros especialistas que sustentam que a música é um subproduto do aparato sensorial, prazerosa mas dispensável?
SACKS: Sim, discordo de Pinker.Não vejo a música como algo acidental e trivial, como um subproduto da linguagem.A música está presente em todas as culturas e apresenta, nos seres humanos, aspectos únicos que não têm paralelo na linguagem. Falo do ritmo, do fato de respondermos à música com movimentos. Nenhum outro animal faz isso. É preciso ver o ritmo como algo primordial na evolução humana.Porque todos os seres humanos respondem a ele. A música une as pessoas. E há conexões específicas no cérebro para isso.

O GLOBO: Unir as pessoas poderia ser uma vantagem evolutiva?
SACKS: Não posso dizer que a musicalidade humana se desenvolveu para unir as pessoas.Mas algo surgiu, se mostrou vantajoso e houve a seleção dessa característica. É claro que a musicalidade é uma vantagem evolutiva. Nenhum outro animal dança com ritmo, mas qualquer criança o faz. Isso pode ter sido um fenômeno quando surgiu, todos esses pequenos seres dançando.

O GLOBO: De que forma isso é marcado no cérebro humano?
SACKS: Muitas partes do cérebro se desenvolvem com a percepção, o aprendizado e a imaginação do ritmo. De novo, nenhum outro animal tem a capacidade de ouvir e analisar sons complexos, com tons, semitons, ritmos, palavras.Essa habilidade é especificamente humana. Mesmo pessoas que sofrem de mal de Alzheimer ou tiveram um derrame respondem à música.Várias estruturas do cérebro se relacionam a isso.

O GLOBO: De que forma?
SACKS: A música se apossou de muitas partes do cérebro humano. É possível ver como o cérebro se modifica em resposta à música. Estudos com imagens do cérebro já comprovaram a ampliação de determinadas regiões no cérebro de músicos. Vendo imagens de cérebros, não dá para dizer quem é matemático ou escritor. Mas dá para dizer facilmente quem é músico quando essas estruturas ampliadas aparecem.

O GLOBO: Há alguma parte do cérebro especialmente voltada para música? SACKS: Não há uma só parte do cérebro. A música está em todo mundo, por todo o cérebro, envolve várias partes desse órgão e não necessariamente as mesmas. Isso é que é o mais incrível.

Mas há também os que não respondem de forma alguma à música, não é?
SACKS: Sim, há algumas pessoas que não percebem musica e ficam muito impressionados com os relatos. Há outros que não ouvem determinados tons ou semitons. Essas amusias ocorrem em razão de danos no cérebro. Parte da rede que está faltando.

O GLOBO: E as alucinações musicais? Até que ponto elas poderiam ser interpretadas como um problema psicológico? SACKS: Quando uma pessoa tem alucinação musical (ouve música que ninguém mais está ouvindo), a primeira coisa que pensa é que ficou louco, que está ouvindo coisas. Mas é um processo completamente diferente de ouvir vozes como os esquizofrênicos. Eles recebem ordens, é bem diferente e as pessoas enfatizam isso. Alucinações musicais são bem comuns, são como velhas memórias que tocam na mente. Não é uma doença mental.

O GLOBO: Por que a música muitas vezes provoca uma reação emocional? Como o cérebro é capaz de diferenciar uma melodia triste de uma alegre?
SACKS: Um dos maiores poderes da música é controlar emoção, desenvolver, provocar respostas emocionais. Anatomicamente, podemos dizer que algumas regiões do cérebro afetadas pela música estão perto daquelas ligadas às emoções, envolvidas nas percepções dos cheiros que despertam memórias. Mas ainda não está claro como essas respostas emocionais ocorrem.
Não se sabe ainda o quanto depende da cultura.