Por Ricardo Moreno
O tema dos festivais deu e ainda dará muitos frutos, no sentido de obras escritas e audiovisuais que reflitam a importância do momento. As razões são claras, pois se trata de um momento de ouro da música popular brasileira, no qual toda uma geração se formou, e de certa forma esta geração balizou a produção musical das décadas seguintes. É claro que nem toda a produção das décadas de 1970 em diante é diretamente tributária daqueles artistas que se destacaram na década anterior: Chico Buarque; Edu Lobo; Caetano; Gil, etc. Mas não há como negar que esta geração atingiu um patamar de excelência na elaboração da canção popular.
O documentário em questão se atém a um desses festivais, o de 1967, que sem dúvida foi um dos mais importantes da década. Lá estavam Gilberto Gil, com a belíssima “Domingo no parque”; Caetano Velloso com “Alegria, alegria”; Chico Buarque com “Roda viva” e Edu Lobo com “Ponteio”, que acabou se consagrando como primeiro lugar. As duas primeiras, “Domingo no parque” e “Alegria, alegria” logo se tornariam canções referências do movimento tropicalista que iria detonar o cenário estético-musical no ano seguinte com o lançamento do disco “Tropicália”, no qual figuravam além de Caetano e Gil, Tom Zé, Gal e quase toda a (nada) tradicional família musical baiana.
Em que pese o tema dos festivais já ter sido objeto de tantas explorações reflexivas, do tipo teses, livros, etc., não parece que o filme tenha a pretensão de defender nenhuma tese, ou hipótese. Ele quer apenas mostrar a importância daquele evento e as relações que estavam se dando em seu bojo. O festival era sem dúvida um lugar privilegiado para o cruzamento de várias linhas de ação estética. Muitas defesas de posição eram feitas através de textos de jornais, revistas, etc. Em uma frase célebre Tom Zé, que era do grupo tropicalista, teria dito em tom jocoso, como sempre foi estilo, que “A gente tem que respeitar o Chico Buarque, afinal ele é o nosso avô”. A intenção era óbvia: afirmar que Chico era naquele momento um compositor passadista, fazendo canções dentro de uma certa tradição musical brasileira, enquanto o grupo tropicalista estava mexendo em algumas estruturas. É desse momento também a polêmica entre Caetano e Chico alimentada, é bem verdade, pelos meios de comunicações da época, interessados em uma “agonística” musical pra com isso ganhar umas moedas a mais. Mas consta que Chico teria se irritado com a ideia de que a gravação da sua bela canção “Carolina”, por Caetano em seu disco de 1969, teria sido em tom de deboche. Enfim...
Mas voltando ao filme, ele revela umas coisas interessantes, como por exemplo, a paúra de Gil na hora de defender a sua lindíssima “Domingo no parque”. Há anos que vejo essa gravação, e sempre achei o Gil super seguro no momento da interpretação. Mas a coisa não foi bem assim. Gil diz que estava super inseguro, e com essa declaração de repente vemos a dimensão humana brotar por trás da figura do ídolo. Muito interessante também o “achado” do jornalista Chico de Assis, um dos depoentes do documentário, quando percebe que o artista Sérgio Ricardo, cujo violão ele próprio quebrou no meio da apresentação por causa das vaias que recebia, se apresentou logo depois de Edu Lobo, que em seu refrão dizia “quem me dera agora eu tivesse uma viola pra cantar”. Era como se as duas apresentações estivessem ligadas de alguma forma.
Enfim, o documentário “uma noite em 67” é repleto de depoimentos interessantes, de músicas maravilhosas e de artistas importantíssimos para a formação da música popular brasileira contemporânea. O diretor Renato Terra e Ricardo Calil acertaram em cheio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário