O sujeito que atende pelo nome que dá título a coluna deste mês é um dos mais festejados artistas da cena underground estadunidense. Nascido na Filadélfia, em 1943, e há 20 anos morando na França, ele afirma que tem vergonha de ter nascido no país em que nasceu por tratar-se de um país fascista e absolutamente nefasto. A contundência de suas opiniões só reforça a imagem criada em seu entorno a partir de sua obra como artista gráfico e criador de histórias em quadrinhos.
Em 1993 Crumb juntou todas as histórias que tinha criado sobre música, capas de discos e cartazes e publicou numa edição intitulada Robert Crumb draws the blues, edição esta que foi publicada no Brasil em 2004 e reeditada em 2010 com o simples título “blues”, pela Conrad Editora. Nela o cartunista faz um verdadeiro tributo à música da década de 1920 e 1930, notadamente os blues rurais cantados por negros. Aliás, ele não só faz declarações de amor à música dessa época, como deplora com toda sua força tudo, ou melhor, quase tudo que foi feito depois. Certa feita ele declarou ao crítico Gary Groth: “eu odeio Frank Sinatra!”, e acrescentou que “é repulsivo o sentimento dos anos 1950 e 1960 que exalta esse estilo gângster-sofisticado de vida”.
Crumb era colecionador de discos folk e de blues feitos numa época em que o papel da indústria de entretenimento, segundo ele, ainda não determinava padrões, modas e gostos como veio depois a fazer. Nesse sentido ele se irmana com as críticas feitas pelo filósofo alemão Theodor Adorno, que morou nos Estados Unidos na década de 1940, para quem a burocratização da produção cultural levaria essa esfera a uma condição de tal modo padronizada que pouco ou nada escaparia que pudesse ser chamada legitimamente de arte. Mas voltando ao cartunista da Filadélfia, ele conta em uma das histórias contidas na edição citada, sua própria aventura na década de 1970, ao ir à procura dos discos antigos, dos fundadores da alma musical americana, como ele mesmo diz. Esses discos, naturalmente não eram fáceis de encontrar, uma vez que muitas das pequenas gravadoras que os produziam tinham sido extintas ou sido incorporadas por gravadoras de grande porte.
O que Crumb queria encontrar eram aquelas primeiras gravações feitas ainda na década de vinte pelas tais gravadoras que estavam realizando experiências com artistas rurais absolutamente desconhecidos, o blues primitivo, como ele dizia. O momento era auspicioso, pois estavam na década que precedeu o grande crash da economia dos EUA, e as coisas ainda estavam muito bem. Por muito pouco dinheiro os agentes das gravadoras selecionavam os bluesman das zonas rurais e improvisavam um estúdio ali mesmo no hotelzinho da cidade. O cantor se acompanhava ao violão e cantava voltado para a parede com o objetivo de melhorar a condição acústica. Gravações precárias, sem dúvida, mas suficiente para alimentar um mercado em crescimento. A viagem que ele fez valeu não só pelas aquisições, mas porque também o colocou em contato com os fundadores da alma musical do seu país. O sul profundo, como se dizia.
No que diz respeito à música, Crumb não era só pesquisador e melômano. Ele também botava a mão na massa. Ainda na década de 1970 fundou uma banda que tinha como repertório justamente a sua paixão musical: os bons e velhos blues e countries das primeiras gravações da sua década de ouro. A banda se chamava Cheap suit serenaders e chegou a gravar alguns discos. Crumb tocava banjo e violão, e uma curiosidade é que nas gravações apareciam alguns instrumentos atípicos tais como apitos de caçar patos e o serrote musical.
Não obstante sua ojeriza pela cultura musical contemporânea do seu país, Crumb colaborou com alguns artistas da cena pop. Ele foi amigo da Janis Joplin e pra ela fez a capa do legendário lp cheap thrills, e as letras do título de um outro: I Got Dem OI’ Kozmic Blues Again Mama! São letras como que elétricas para expressar a “pegada” da rainha branca do Blues.
Crumb ouvia e lia muito sobre a música dos anos 1920. Uma coisa que ele descobriu é que em Chicago, por exemplo, havia grupos conservadores muito atuantes que viam os salões como um antro de iniquidade no qual se cultivavam os piores valores. Daí, segue que esses grupos agiam como fiscais da moralidade pública indo aos tais “antros” e observando o comportamento da plebe e relatando o mesmo à prefeitura local. Os músicos e arranjadores ao perceber que ao tocar os blues mais lentos os casais tendiam a se agarrar mais, e que isso gerava relatórios muito ácidos dos moralistas, começaram, como estratégia, a tocar cada vez mais músicas mais rápidas. Isso fez com que esse tipo de música mais cadenciada começasse a cair no esquecimento. Mas mesmo essa estratégia não impediu que muitos clubes fossem sumariamente fechados, colaborando para que a música dessa década sucumbisse ante as avalanches industriais da novas modas musicais.
Há ainda muitas outras histórias deliciosas envolvendo grandes figuras do blues e do jazz como o caso do Bluesman Charlie Patton e de um dos pioneiros do jazz, Jelly Roll Morton. Este último, morto aos 36 anos, é considerado um dos inventores do Jazz. Crumb se baseou numa entrevista dada por Morton ao etnomusicólogo Alan Lomax, na qual o jazzista afirma ter sido vítima de magia negra. Enfim... um pouco da cultura pop estadunidense do século XX desfila através das histórias desse genial Robert Crumb, na visão particularíssima desse autor controvertido e genial.
legal!
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