O GLOBO: O senhor concorda com Charles Darwin quando ele diz que a música teve um papel importante na evolução? Especificamente na seleção sexual, como um atrativo a mais para o sexo oposto?
OLIVER SACKS: Como o comportamento e as suscetibilidades não deixam registros fósseis, é difícil saber como nossos ancestrais se comportavam.
Mas estou inclinado a pensar que a música surgiu muito cedo na espécie humana, tão cedo quanto a linguagem. Linguagem e música são fontes de comunicação primordiais.
O GLOBO: O senhor discorda, portanto, de Steven Pinker e de outros especialistas que sustentam que a música é um subproduto do aparato sensorial, prazerosa mas dispensável?
SACKS: Sim, discordo de Pinker.Não vejo a música como algo acidental e trivial, como um subproduto da linguagem.A música está presente em todas as culturas e apresenta, nos seres humanos, aspectos únicos que não têm paralelo na linguagem. Falo do ritmo, do fato de respondermos à música com movimentos. Nenhum outro animal faz isso. É preciso ver o ritmo como algo primordial na evolução humana.Porque todos os seres humanos respondem a ele. A música une as pessoas. E há conexões específicas no cérebro para isso.
O GLOBO: Unir as pessoas poderia ser uma vantagem evolutiva?
SACKS: Não posso dizer que a musicalidade humana se desenvolveu para unir as pessoas.Mas algo surgiu, se mostrou vantajoso e houve a seleção dessa característica. É claro que a musicalidade é uma vantagem evolutiva. Nenhum outro animal dança com ritmo, mas qualquer criança o faz. Isso pode ter sido um fenômeno quando surgiu, todos esses pequenos seres dançando.
O GLOBO: De que forma isso é marcado no cérebro humano?
SACKS: Muitas partes do cérebro se desenvolvem com a percepção, o aprendizado e a imaginação do ritmo. De novo, nenhum outro animal tem a capacidade de ouvir e analisar sons complexos, com tons, semitons, ritmos, palavras.Essa habilidade é especificamente humana. Mesmo pessoas que sofrem de mal de Alzheimer ou tiveram um derrame respondem à música.Várias estruturas do cérebro se relacionam a isso.
O GLOBO: De que forma?
SACKS: A música se apossou de muitas partes do cérebro humano. É possível ver como o cérebro se modifica em resposta à música. Estudos com imagens do cérebro já comprovaram a ampliação de determinadas regiões no cérebro de músicos. Vendo imagens de cérebros, não dá para dizer quem é matemático ou escritor. Mas dá para dizer facilmente quem é músico quando essas estruturas ampliadas aparecem.
O GLOBO: Há alguma parte do cérebro especialmente voltada para música? SACKS: Não há uma só parte do cérebro. A música está em todo mundo, por todo o cérebro, envolve várias partes desse órgão e não necessariamente as mesmas. Isso é que é o mais incrível.
Mas há também os que não respondem de forma alguma à música, não é?
SACKS: Sim, há algumas pessoas que não percebem musica e ficam muito impressionados com os relatos. Há outros que não ouvem determinados tons ou semitons. Essas amusias ocorrem em razão de danos no cérebro. Parte da rede que está faltando.
O GLOBO: E as alucinações musicais? Até que ponto elas poderiam ser interpretadas como um problema psicológico? SACKS: Quando uma pessoa tem alucinação musical (ouve música que ninguém mais está ouvindo), a primeira coisa que pensa é que ficou louco, que está ouvindo coisas. Mas é um processo completamente diferente de ouvir vozes como os esquizofrênicos. Eles recebem ordens, é bem diferente e as pessoas enfatizam isso. Alucinações musicais são bem comuns, são como velhas memórias que tocam na mente. Não é uma doença mental.
O GLOBO: Por que a música muitas vezes provoca uma reação emocional? Como o cérebro é capaz de diferenciar uma melodia triste de uma alegre?
SACKS: Um dos maiores poderes da música é controlar emoção, desenvolver, provocar respostas emocionais. Anatomicamente, podemos dizer que algumas regiões do cérebro afetadas pela música estão perto daquelas ligadas às emoções, envolvidas nas percepções dos cheiros que despertam memórias. Mas ainda não está claro como essas respostas emocionais ocorrem.
Não se sabe ainda o quanto depende da cultura.
segunda-feira, 30 de maio de 2011
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Caríssimo Ricardo,
ResponderExcluirmas ao afirmar que, somente os seres humanos são capazes de reagir a impulsos rítmicos, esse Sacks só pode estar de brincadeira ou de má fé...e os sapos e abelhas do Hermeto? ande ficam nessa história? e os pássaros que imitam os cantos de outras espécies simplesmente? em que lugar esse Sacks põe esses animais que não são humanos e que reagem a ritmo e produzem melodias?
Agora vc me permita citar Deleuze & Guattari (mil Platos v. 4, p. 113): Certamente, como diz Messiaen, a música não é privilégio do homem: o universo, o cosmo é feito de ritornelos; a questão da música é a de uma potência de desterritorialização que atravessa a Natureza,
os animais, os elementos e os desertos não menos do que o homem. Trata-se,antes, daquilo que não é musical no homem, e daquilo que já o é na natureza. E mais, o que os etólogos descobriam do lado do animal, Messiaen o
descobria do lado da música: não há qualquer privilégio do homem, com exceção dos meios de sobrecodificar, de fazer sistemas pontuais. É até o contrário de um privilégio; através dos devires-mulher, criança, animal ou molécula, a natureza opõe sua potência, e a potência da música, àquela das máquinas do homem, tumulto das fábricas e dos bombardeiros. E é preciso ir
até esse ponto, que o som não musical do homem faça bloco com o devirmúsica do som, que eles se afrontem ou se atraquem, como dois lutadores
que não podem mais derrotar um ao outro, e deslizam numa linha de declive:"Que o coro represente os sobreviventes (...). Ouve-se o fraco rumor das cigarras. Depois os trinados de uma cotovia, depois o canto do pássaro
zombeteiro. Alguém ri, uma mulher soluça convulsivamente. Um homem solta um grande grito: 'Estamos perdidos!' Uma voz de mulher: 'Estamos salvos!' Gritos explodem em toda parte: 'Perdidos! Salvos! Perdidos!Salvos!
Grande abraço, Pedro Albuquerque