sábado, 11 de dezembro de 2010

As contradições do Agronegócio

Dificilmente veremos a professora Rosemeire Aparecida de Almeida, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) ser entrevistada por uma empresa de comunicação da grande mídia. Mesmo que ela seja uma especialista no que diz respeito a análise de produtividade rural, empreendimentos agrícolas, etc. isso porque Rosemeire em tudo por tudo atenta, com o resultado de suas análises, contra os interesses dos setores do grande capital do meio rural. Sua análise é límpida e cristalina e sua fala é facilmente compreendida por qualquer não-especialista no assunto. Bom, como o grande capital das comunicações não a põe no ar, cabe às redes de cominicação alternativas a ele fazer o trabalho limpo. Eis aqui a entrevista dada pela professora à Rádio  Agência NP. Leiam:

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Ao final de 2010, a safra brasileira de grãos deverá bater o recorde nacional e atingir a marca de 148 milhões de toneladas, segundo informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A área a ser colhida é de 46,7 milhões de hectares, 1% inferior ao último ano.
O Paraná é um dos responsáveis pelo recorde. Sozinho, o estado responderá por 21,5% da safra 2010. Esses números podem ser explicados pela pesquisa coordenada pela professora Rosemeire Aparecida de Almeida, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). Baseada nos censos agropecuários do IBGE de 1995/96 e 2006, ela analisou as transformações territoriais ocorridas nos estados do Paraná e do Mato Grosso do Sul e chegou a resultados surpreendentes.
Em entrevista à Radioagência NP, a professora garante que a agricultura familiar é responsável pela comida que está na mesa do brasileiro. Ela anuncia que o agronegócio recebeu financiamento de R$ 1 bilhão e produziu apenas a metade desse valor. Já as pequenas propriedades multiplicaram por 20 a quantia recebida.
Radioagência NP: Professora, entre os estados analisados, qual deles teve o melhor desempenho agrícola e como isso se explica?
Rosemeire Aparecida de Almeida: Nós podemos dizer que o estado do Paraná tem uma estrutura fundiária mais democrática, em comparação com o Mato Grosso do Sul. E essa estrutura fundiária democratizada é responsável por uma maior geração de renda e também de ocupação. No estado do Paraná 0,32% dos estabelecimentos possuem mais de 1 mil hectares, o que representa 19% da área. No Mato Grosso do Sul, é 10% dos estabelecimentos dominando mais de 76% da área.
RNP: Dê um exemplo de como essa diferença se reflete na produção.
RAA: O rebanho bovino do norte central paranaense é cinco vezes menor em relação à região leste do Mato Grosso do Sul. Porém, a quantidade de leite produzido é superior. No caso da região leste [MS], 42% do leite produzido vêm de estabelecimentos até 100 hectares. Na região norte paranaense, representa 76% dessa produção.
RNP: Como o agronegócio atua nessas regiões?
RAA: Ele vem se apropriando das melhores áreas no MS. Há um recuo do arroz e do feijão. Nós só não tivemos uma crise de desabastecimento porque aumentou a produtividade e 64% dessa produção foi de responsabilidade das pequenas unidades de produção, tanto no MS quanto no Paraná. Então, a gente pode dizer com muita segurança que as pequenas propriedades são responsáveis pela comida que está na mesa dos brasileiros.
RNP: O que você observou na comparação entre os índices de financiamento público e a produtividade?
RAA: A classe de área de mais de mil hectares no MS obteve financiamento de mais de R$ 1 bilhão e gerou um valor de produção de R$ 524 milhões. A pequena unidade de produção, com menos de 50 hectares, acessou R$ 2,4 milhões – ou seja, 0,21% do valor de financiamento – e gerou um valor de produção de R$ 42,9 milhões. Isso quer dizer que as áreas menores que 50 hectares multiplicaram por 20 o valor do financiamento. E a grande propriedade dividiu por dois o valor do financiamento.
RNP: O agronegócio se sustenta com monocultivos como o da soja?
RAA: Existem muitos dados, inclusive em relação ao questionamento da grande propriedade como sinônimo de progresso, de geração de emprego e de produtividade. O que é um mito, uma ideologia. Quando olhamos os dados referentes ao MS, percebemos que a produtividade alegada pela soja é a de grande extensão de terra. É uma produção que está açambarcando as terras disponíveis, mas quando analisamos a produtividade por hectare, ela é insignificativa em relação ao censo anterior.
RNP: Por que há tanta resistência em relação à atualização dos índices de produtividade?
RAA: A gente fala como se a grande propriedade fosse sinônimo de agronegócio. E não é verdade. O MS tem oito milhões de hectares de terras improdutivas, um dos estados que é o eixo de sustentação do agronegócio. Apenas uma parte da grande propriedade se modernizou no país. O restante é reserva de valor. Daí, a luta contra a revisão dos índices [de produtividade], que são da década de 1970. A revisão é necessária, é uma dívida que tem que ser paga pelo Governo Dilma. E mais do que isso, deve ser utilizada como um termômetro da existência da improdutividade, que é o mote da reforma agrária no país.
RNP: Que critérios devem ser observados nos programas de reforma agrária?
RAA: A estrutura fundiária voltada a estabelecimentos onde as pessoas não só trabalham, mas também vivem, gera uma dinâmica local. A política agrária do Brasil deve concentrar os assentamentos em determinadas microrregiões para que se possa impactar a cidade porque essas pessoas vão viver do comércio local e também vão produzir para o mercado da cidade.
De São Paulo, da Radioagência NP, Jorge Américo.

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