ENFIM, UMA GRAMÁTICA BRASILEIRA!
Por Marcos Bagno
Demorou, mas chegou. Exatos 188 anos. Finalmente, temos à nossa disposição uma gramática que descreve o que realmente acontece na nossa língua: a Gramática do português brasileiro, de Mário Perini, que acaba de ser lançada (Parábola Editorial). O fato histórico merecia banda de música e fogos de artifício. Afinal, vamos poder nos livrar dos mofados compêndios que, mesmo publicados no Brasil, mesmo publicados recentemente, continuam a chamar nossa língua simplesmente de “português” e a tentar impor como modelos de correção as opções de um punhado de escritores lusitanos mortos há uns bons 200 anos. Chega! Xevra! Xispa! Xô!
Mário Perini é um linguista que há muito tempo vem se dedicando ao exame atento do que é a língua majoritária dos brasileiros. Já em 1985, propôs que se abandonasse a prática multissecular de recorrer à escrita literária em favor de uma referência ao padrão que de fato se verifica na prática escrita das pessoas altamente letradas. Em vez do romance e da poesia, que a gramática se debruce sobre a escrita jornalística, acadêmica, ensaística, técnico-científica. Se é para ensinar os brasileiros a escrever, que se ensine a escrever como se escreve no Brasil, e não como Eça de Queiroz ou Camilo Castelo Branco nem, muito menos, Machado de Assis (um gênio assim só a cada 500 anos!).
É preciso libertar a língua da retumbante maioria das pessoas do peso insuportável de ser comparada aos usos feitos pelos grandes escritores. É preciso que professores de português, dicionaristas, gramáticos e neogramatiqueiros (esses que invadiram a mídia brasileira atual para vender um peixe linguístico mais podre e fedido que as águas do Tietê) parem de dizer que tal uso é “errado”, “não existe” ou “não é português” só porque não aparece na obra dos “clássicos”. Além de ser uma mentira, também é uma grande injustiça, e por duas razões. Primeiro, porque na obra dos grandes escritores também aparecem transgressões das normas tradicionais (embora os gramáticos se esforcem por escondê-las, como se os grandes autores só escrevessem de acordo com as regras que eles, gramáticos, tentam impor). Segundo, porque os escritores não devem nem querem ser transformados em régua para corrigir, em peso e medida para avaliar a produção linguística de ninguém.
Se lá em cima escrevi que esperamos 188 anos por uma gramática da nossa língua é porque a nossa independência política (1822) não representou uma independência linguística. Nem poderia. Afinal, foi uma independência tramada de cima para baixo, proclamada pelo próprio representante da potência colonial que, mais tarde, para provar o quanto tinha ficado “independente”, abandonou seu império tropical para defender o trono português e se sentar nele com o nome de Pedro IV. Isso explica por que, no estudo e no ensino de língua, permanecemos igualmente atrelados aos manuais que vinham de Lisboa. E mesmo quando se começou a produzir gramáticas no Brasil, elas ofereciam como norma linguística uma modalidade extremamente restrita de língua literária lusitana pós-Romantismo.
Bem-vinda, Gramática do português brasileiro! Talvez agora os autores de livros didáticos parem de tentar ensinar uma língua que nunca existiu por aqui (e, pensando bem, nem em Portugal) e reconheçam que a língua que nossos alunos querem aprender é o português brasileiro urbano culto, a língua que de fato molda a nossa identidade nacional e é moldada por ela. Libertas quae sera…!
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