Recebi um comovente e-mail do Nilton Maia, leitor dessa coluna, a cerca do falecimento de um dos maiores músicos da cena instrumental brasileira: Paulo Moura. Nilton, como eu e outros tantos amantes da música instrumental brasileira, sentiu que estávamos todos mais pobres com a partida de Paulo Moura, que além de ser um extraordinário músico, era também um agitador cultural da maior expressão. Com ausência do mestre do sax e da clarineta estamos mais pobres, sim, mas também mais aumentados pela possibilidade de termos tido contato com músico e criador de estirpe tão elevada.
Paulo se foi em um dia 13 de julho, quase na mesma data em que nasceu, dia 15 de julho (apesar de nos registros oficiais constar fevereiro de 1933). Claro, é apenas uma coincidência, mas pode também nos sugerir a idéia de um ciclo que se fecha bem. Um círculo que representa uma vida plena e harmoniosa, e olha que harmonia é o que não faltava em sua vida. Desde muito cedo enveredou pelo campo da música, pois seu pai já era músico amador, e segundo consta, teria ensinado música aos filhos por medo da segunda guerra, pois caso os meninos tivessem que servir, seria como músicos e desta forma estariam menos expostos aos riscos de um enfrentamento. De qualquer forma a batalha de Paulo foi a de conseguir se afirmar no cenário musical carioca, primeiramente, e brasileiro, posteriormente. Considerando ainda que tinha alguma projeção internacional, que só não era maior por conta da inserção periférica que o Brasil ainda tem no cenário mundial, não obstante as coisas estarem se modificando.
Segundo ele mesmo contava, aos 09 anos de idade pediu para estudar música, o que já apontava pra uma precocidade que mais tarde iria se confirmar, pois aos 17 já era contratado como primeiro saxofonista da orquestra do maestro Oswaldo Borba da rádio Globo, que lhe possibilitou acompanhar artistas como Dalva de Oliveira, entre outros. Logo em seguida, em 1956, grava seu primeiro disco e organiza sua própria orquestra, o que representava, sem dúvida, prestígio e liderança.
Sobre esta primeira gravação há uma história interessante. Ele contava que soube naquele ano de 1956, que o músico Edu da gaita havia gravado uma peça de Paganini intitulada “moto perpétuo”. Era uma peça originalmente criada para o solo do violino e não para um instrumento de sopro, o que fazia da gravação do Edu uma proeza, pois a dificuldade estava na respiração. O tema, como o próprio título diz, se conduz com uma linha melódica constante dando pouquíssimas “brechas” para o executante respirar. Quando o instrumento em causa é o violino não tem problema, pois o músico pode respirar a vontade, mas quando se trata de uma gaita ou de um clarinete, as coisas se complicam. Pois bem, ele comprou a partitura e ficou durante 15 dias tentando obstinadamente desenvolver uma técnica que o possibilitasse a também tocar esta música. Ao mesmo tempo em que tentava fazia exercícios físicos, caminhava na praia de Copacabana e até yoga. Por fim foi recompensado: desenvolveu uma técnica de acumular ar nas bochechas e manter a palheta vibrando com o ar acumulado de modo que respirava enquanto exalava.
Esta façanha o levou aos programas de auditório da época, entre eles o de Flávio Cavalcanti, e o possibilitou a primeira gravação de um 78 rpm pela CBS, e, como dissemos acima, também lhe possibilitou a formação de uma orquestra para qual escrevia os arranjos.
Por fim gostaría de falar de dois (poderiam ser mais) dos discos que mais me chamaram a atenção na extensa discografia de Paulo Moura: “Confusão urbana, suburbana e rural” e “Vou vivendo”, este último com a pianista Clara Sverner. O primeiro é de 1976 e é simplesmente um primor, com temas lindos e arranjos muito bem conduzidos, e tudo isso sem perder o swing. Há nesse disco participações especialíssimas como as de Wagner Tiso, o violão inconfundível de Toninho Horta e Rosinha de Valença. É um disco de bambas, no qual os instrumentistas tiveram liberdade para contribuir. Há, por exemplo, um solo virtuoso de Zeca da cuíca na faixa “Notícia”, de Nélson Cavaquinho, Norival Bahia e Alcides Caminha, que é um espetáculo. Há nesse disco uma variedade grande de gêneros: choro, samba, samba de gafieira e até um carimbó (“Carimbo do Moura). É um disco para sempre.
O segundo disco ao qual me referi acima é de 1986, dez anos depois do primeiro, portanto, e tem um outro clima. Se o primeiro é mais expansivo e percussivo, o segundo é, apesar de ser com repertório de choros, polcas e gêneros afins, é mais introspectivo e conta apenas com o piano da Clara e o sax do Paulo. É um disco com temas mais conhecidos, mas mesmo assim surpreende pelo resultado timbrístico e pela belíssima performance dos dois craques. É também um disco definitivo, como definitiva é a obra desse grande músico.
Viva para sempre, Paulo Moura, na memória de seus contemporâneos e também na memória daqueles que hoje ainda nem nasceram, mas que irão se encantar com sua obra.
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