Por Juan Gelman
Circulam várias hipóteses sobre a razão da operação militar israelense que causou a morte de 9 a 16 passageiros do barco de bandeira turca Mavi Marmara, dezenas de feridos, e o seqüestro da frota que transportava 10 toneladas de ajuda humanitária para Gaza – sob bloqueio desde 2007 e invadida em 2008 -, além da detenção de quase 700 pessoas, postas em liberdade após sofrer vexames de todo tipo. As explicações oficiais de Tel Aviv são inquilinas do ridículo: os agredidos são agressores e os agressores, agredidos; os levados à força para Israel são imigrantes ilegais, aqueles que socorrem palestinos com fome são cúmplices do Hamas primeiro, terroristas do Hamas depois, etc. É velha, muito velha, a tática de vitimização do carrasco.
O primeiro ministro Netanyahu justificou o ataque dizendo que é preciso evitar que o Hamas receba armas por “ar, terra e mar” – desviando-se do fato de que o Hamas recebe essas armas por túneis - e que nenhum protesto o levará a levantar o bloqueio contra Gaza. Essa é a questão de fundo: Tel Aviv não renunciou ao sonho da Grande Israel e o cerco imposto a Gaza prejudica, mais do que ao Hamas, a seus habitantes, que já sofreram a Operação Chumbo Derretido que tirou a vida de 1.300 civis palestinos. Isto, falando claramente, chama-se limpeza étnica e sua história também é velha.
O ideólogo do movimento de direita denominado Sionismo revisionista, Zeev Jabotinsky, declarou há 87 anos que a única maneira de impor o Estado judeu era esmagando os árabes. Não é de se estranhar, portanto, que Ron Torossian, organizador da manifestação “Estamos com Israel”, realizada em frente à missão da Turquia na ONU, repetisse essa opinião: “Creio que devemos matar cem ou mil árabes por cada judeu que eles matam”. Por que não 100 mil ou 1 milhão? Por acaso Ariel Sharon não foi responsável, em 1982, pela ação de uma milícia que resultou na matança de quase 500 civis palestinos nos campos de refugiados de Sabra e Shatila? Se isso é ideologia será preciso mudar a definição da palavra “ideologia”.
O governo israelense parece guiado por outro conceito central de Jabotinsky: “Sustentamos que o sionismo é moral e justo. E dado que é moral e justo, é preciso fazer justiça ainda que José ou Simão, ou Ivan ou Ajmed, não estejam de acordo”, afirmou em um ensaio publicado na revista russa Raavyet, em novembro de 1923. Carlo Strenger, professor da Universidade de Tel Aviv, chamou de “mentalidade de bunker” aquela imperante hoje no país: Israel “não escuta a crítica, seja interna ou externa. Essa incompetência é reforçada pela soberba: Israel está apaixonado pela idéia de que tem razão e que todos os demais estão errados; portanto, é incapaz de admitir que a política que aplica aos palestinos foi desastrosa”. Strenger cita o filósofo francês Bernard- Henry Lévy, um fervoroso defensor de Israel, que chamou de “autismo político” este pensamento que atribui aos dirigentes israelenses: “O mundo não nos entende e nos condena se fazemos algo e nos condena se não fazemos. De modo que fazemos o que queremos”. Jabotinsky redivivo.
Os EUA sempre forneceram o espaço internacional necessário para que essa vontade se cumpra acima de qualquer coisa. “A única democracia na região”, segundo a Casa Branca, não vacila em espionar o governo estadunidense neste contexto de “fazer o que bem entender”. A reação de Obama frente ao ataque ao navio turbo e ao banho de sangue que se seguiu foi débil. Sequer condenou o ataque, pedindo apenas um esclarecimento dos fatos e aceitando que Tel Aviv rechaçasse a instalação de uma comissão investigadora internacional. O presidente norte-americano se converte assim em cúmplice da não- investigação que será feita. O presidente Joe Biden divulgou uma espécie de posição oficial sobre o tema: defendeu o bloqueio de Gaza e disse que Israel “tinha o direito a saber” qual era a carga do navio. Cabe lembrar que Netanyahu deu uma bofetada política em Biden quando este visitou-o em março passado: o vice foi visitá-lo para impulsionar o processo de paz com os palestinos e o primeiro-ministro anunciou a construção de 1.600 edifícios novos em território palestino ocupado. Vê-se que Biden é um homem que sabe perdoar. É improvável que se produzam mudanças na estreita e muito íntima relação EUA-Israel.
Cabe reconhecer que, ao contrário de Tel Aviv, Washington não tem problema em abandonar seus cidadãos em apuros, Cerca de 10 estadunidenses viajavam no comboio de ajuda humanitária a Gaza, entre eles, Joe Meadors, marinheiro da fragata USS Liberty, bombardeada por aviões e lanchas lança-torpedos de Israel em 1967; Ann Wright, coronel do Exército dos EUA, Edward L. Peck, ex-subdiretor do grupo de tarefas antiterroristas do gabinete de Reagan. Todos terroristas, naturalmente.
(*) Poeta, escritor, tradutor e jornalista argentino, vencedor do Prêmio Cervantes 2007 e do Prêmio de Literatura Latino-Americana e das Caraíbas Juan Rulfo, entre outros.
Tradução: Katarina Peixoto
O primeiro ministro Netanyahu justificou o ataque dizendo que é preciso evitar que o Hamas receba armas por “ar, terra e mar” – desviando-se do fato de que o Hamas recebe essas armas por túneis - e que nenhum protesto o levará a levantar o bloqueio contra Gaza. Essa é a questão de fundo: Tel Aviv não renunciou ao sonho da Grande Israel e o cerco imposto a Gaza prejudica, mais do que ao Hamas, a seus habitantes, que já sofreram a Operação Chumbo Derretido que tirou a vida de 1.300 civis palestinos. Isto, falando claramente, chama-se limpeza étnica e sua história também é velha.
O ideólogo do movimento de direita denominado Sionismo revisionista, Zeev Jabotinsky, declarou há 87 anos que a única maneira de impor o Estado judeu era esmagando os árabes. Não é de se estranhar, portanto, que Ron Torossian, organizador da manifestação “Estamos com Israel”, realizada em frente à missão da Turquia na ONU, repetisse essa opinião: “Creio que devemos matar cem ou mil árabes por cada judeu que eles matam”. Por que não 100 mil ou 1 milhão? Por acaso Ariel Sharon não foi responsável, em 1982, pela ação de uma milícia que resultou na matança de quase 500 civis palestinos nos campos de refugiados de Sabra e Shatila? Se isso é ideologia será preciso mudar a definição da palavra “ideologia”.
O governo israelense parece guiado por outro conceito central de Jabotinsky: “Sustentamos que o sionismo é moral e justo. E dado que é moral e justo, é preciso fazer justiça ainda que José ou Simão, ou Ivan ou Ajmed, não estejam de acordo”, afirmou em um ensaio publicado na revista russa Raavyet, em novembro de 1923. Carlo Strenger, professor da Universidade de Tel Aviv, chamou de “mentalidade de bunker” aquela imperante hoje no país: Israel “não escuta a crítica, seja interna ou externa. Essa incompetência é reforçada pela soberba: Israel está apaixonado pela idéia de que tem razão e que todos os demais estão errados; portanto, é incapaz de admitir que a política que aplica aos palestinos foi desastrosa”. Strenger cita o filósofo francês Bernard- Henry Lévy, um fervoroso defensor de Israel, que chamou de “autismo político” este pensamento que atribui aos dirigentes israelenses: “O mundo não nos entende e nos condena se fazemos algo e nos condena se não fazemos. De modo que fazemos o que queremos”. Jabotinsky redivivo.
Os EUA sempre forneceram o espaço internacional necessário para que essa vontade se cumpra acima de qualquer coisa. “A única democracia na região”, segundo a Casa Branca, não vacila em espionar o governo estadunidense neste contexto de “fazer o que bem entender”. A reação de Obama frente ao ataque ao navio turbo e ao banho de sangue que se seguiu foi débil. Sequer condenou o ataque, pedindo apenas um esclarecimento dos fatos e aceitando que Tel Aviv rechaçasse a instalação de uma comissão investigadora internacional. O presidente norte-americano se converte assim em cúmplice da não- investigação que será feita. O presidente Joe Biden divulgou uma espécie de posição oficial sobre o tema: defendeu o bloqueio de Gaza e disse que Israel “tinha o direito a saber” qual era a carga do navio. Cabe lembrar que Netanyahu deu uma bofetada política em Biden quando este visitou-o em março passado: o vice foi visitá-lo para impulsionar o processo de paz com os palestinos e o primeiro-ministro anunciou a construção de 1.600 edifícios novos em território palestino ocupado. Vê-se que Biden é um homem que sabe perdoar. É improvável que se produzam mudanças na estreita e muito íntima relação EUA-Israel.
Cabe reconhecer que, ao contrário de Tel Aviv, Washington não tem problema em abandonar seus cidadãos em apuros, Cerca de 10 estadunidenses viajavam no comboio de ajuda humanitária a Gaza, entre eles, Joe Meadors, marinheiro da fragata USS Liberty, bombardeada por aviões e lanchas lança-torpedos de Israel em 1967; Ann Wright, coronel do Exército dos EUA, Edward L. Peck, ex-subdiretor do grupo de tarefas antiterroristas do gabinete de Reagan. Todos terroristas, naturalmente.
(*) Poeta, escritor, tradutor e jornalista argentino, vencedor do Prêmio Cervantes 2007 e do Prêmio de Literatura Latino-Americana e das Caraíbas Juan Rulfo, entre outros.
Tradução: Katarina Peixoto
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