Por Ricardo Moreno
para o Jornal Por-do-sol
Os grandes meios de comunicação não se cansam de farisaicamente alardear sobre a tal liberdade de expressão. Digo farisaicamente porque a crônica política e mesmo eventualmente a cultural está repleta de passagens que atestam justamente o contrário. E o contrário da liberdade de expressão é o monopólio da mesma, e nesse sentido eles já deram provas cabais de que temem, como o demônio a cruz, a democratização das comunicações, haja vista o fato de que quase toda grande imprensa do Brasil se retirou no final de 2009 da 1ª CONFECOM (Conferência Nacional de Comunicação), iniciativa que justamente visava potencializar a democratização das comunicações no Brasil.
Em períodos eleitorais as denúncias da grande imprensa contra os candidatos que não são de sua preferência se multiplicam assustadoramente, mas tão rápido como elas vêm, elas se vão sem mais comentário. Alguns desses meios de comunicação, como a revista Veja, se especializaram em mentiras que não vão muito longe, mas que fazem, ao menos por algum tempo, a cabeça de uma quantidade razoável de pessoas. Ainda bem que é cada vez menor o número de pessoas que dão crédito a essa revista. Aos poucos, e não poderia ser diferente, a sociedade vai amadurecendo e passa a ser mais crítica com relação ao que lê. Alguns artistas brasileiros tais como Chico Buarque e Milton Nascimento após tantas mentiras e práticas sórdidas dessa revista, resolveram não mais dar nenhuma declaração a este veículo, ou seja, tratam-na como se ela não existisse.
Mas para que o eventual leitor dessa coluna e o editor da mesma não se frustrem por não termos até agora falado em música, vamos tratar de um episódio que junta o que vimos falando acima com a composição do chamado primeiro samba gravado no Brasil. Muitos conhecem essa passagem, mas como suponho que nem todos tenham ciência da mesma, vamos discorrer aqui sobre ela. É o seguinte: consta na crônica musical brasileira que em 1917 foi gravado o primeiro samba no Brasil – “Pelo telefone”, de Donga e Mauro de Almeida –. Ele é aquele que começa com os versos: “o chefe da polícia (folia) pelo telefone manda me avisar / que na carioca tem uma roleta para se jogar. É justamente sobre esses primeiros versos que queremos tratar, pois segundo Donga ele foi inspirado numa passagem que envolve uma armação montada pelo então proprietário do jornal “A noite” – Sr. Irineu Marinho (aquele mesmo, pai de Roberto Marinho) – que visava derrubar o então chefe de polícia do Rio de Janeiro, Aureliano Leal.
Este samba tem em sua história muitas contradições e “disse-me-disse”, mas o fato é que muitos musicólogos não têm dúvidas em afirmar que a letra é um apanhado de várias estrofes cantadas em improviso ou já consagradas nas rodas musicais populares do Rio de Janeiro. Nesse sentido, Mauro de Almeida, suposto criador da letra, atuou na verdade dando a forma final em um conjunto de versos já registrados na memória oral dos sambistas. Mas voltando à fraude montada pelo Sr. Irineu Marinho, consta que o dono do Jornal “A noite”, então desafeto do já referido chefe de polícia, combinou com alguns jornalistas para montarem uma simulação na qual uma roleta era colocada em pleno Largo da Carioca num momento em que o jogo estava proibido na cidade. A intenção era simplesmente desmoralizar a autoridade policial.
Sobre esse episódio Mauro de Almeida, ou outra pessoa, não se sabe ao certo, teria construído os primeiros versos do samba. Em algumas gravações aparece a expressão “o chefe da polícia” e em outras “o chefe da folia”. E aí as coisas ficam ainda mais complicadas porque o próprio Donga deu versões contraditórias sobre qual seria a versão original. Em depoimento ao Museu da Imagem e do Som, ele diz que a letra original é “O Chefe da Folia”... mas em entrevista a Sérgio Cabral e Ary Vasconcelos ele se contradiz afirmando que é “O Chefe da Polícia”... a letra inicial, mudada para a outra forma para evitar complicações com as autoridades.
Seja como for, o que nos interessa aqui, é explicitar as manobras feitas pelos que detém a exclusividade da publicação da fala. As Vejas, as Globos, os Estadões, as Folhas e seus congêneres, não podem mais agir de forma monoglósica num mundo intensamente complexo e polifônico. O que nos dá esperanças é que as novas ferramentas (blog, twitter, etc) e mesmo a velha imprensa alternativa (como esse jornal) possibilitam uma nova plataforma e uma nova possibilidade de democratização das falas, pondo abaixo o famigerado pensamento único. Saudemos esse novo tempo!!
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