terça-feira, 6 de abril de 2010

Do vinil ao cd, do cd ao vinil

DO VINIL AO CD, DO CD AO VINIL

 Por Ricardo Moreno



Primeiro foi aquele entusiasmo por um tipo de mídia que prometia a possibilidade de uma escuta sem estalos e sem ruídos: o cd. O áudio digital assegurava um som “clean”: um sonho para os melômanos. Depois, talvez 10 anos, foi aquela nostalgia. Uma saudade inquietante. Alguns, com argumentos mais técnicos, apontavam para uma desqualificação do cd: a compressão de determinadas freqüências – principalmente dos graves. Outros sentiam, e falavam francamente, da saudade pura e simples dos estalos e chiados que os vinis produziam. Reconheciam essa saudade quase como uma tara.
Durante algum tempo essa saudade era compensada com a aquisição de antigos lp’s e a revitalização de antigos sistemas de som: compra de pick-ups, busca por agulhas que fossem compatíveis, etc. Dizem que foi o Ed Mota um dos primeiros, entre os artistas, a se manifestar em favor dos antigos bolachões. O fato é que essa saudade pressionou de tal forma a indústria, que novos tocadores de vinil foram sendo fabricados, e hoje, por exemplo, existem toca-discos com saída USB e RCA fabricados especialmente para que se possam digitalizar os lp’s. Atualmente um aparelho desses custa menos do que R$ 500,00.
Se o primeiro passo foi a fabricação dos aparelhos de tocar lp, não tardaria a aparecer os fabricantes dos próprios lp’s. Em março desse ano saem os primeiros álbuns da nova fase da Polysom, única fábrica de vinis em funcionamento no Brasil. Os artistas contemplados para essa nova fase do disco no Brasil foram as bandas Nação Zumbi e Cachorro Grande, e as cantoras Pitty e Fernanda Takai. Reparem que todos esses artistas escolhidos para a primeira leva são artistas identificados com um público mais jovem e de classe média. Ainda é cedo para sabermos sobre o sucesso comercial dessa empreitada. É esperar e ver.
Mas para além das questões técnicas e comerciais da volta do lp, é possível, eu creio, uma análise de outro ponto de vista: o simbólico. Na década de 1960 um sociólogo francês chamado Jean Baudrillard escreveu um livro chamado “o sistema dos objetos”. Nesse livro o autor analisa o modo como nos relacionamos com os objetos para além do simples uso que fazemos deles. Somos, alguém já disse, seres do símbolo, e como tal, não há atividade humana sem desdobramentos simbólicos.
Nessa perspectiva, afirma Baudrillard, o retorno de objetos antigos não é um acidente do sistema, pois o que ele perde em funcionalidade, ganha do ponto de vista do mito que representa. O antigo não é meramente “afuncional” ou simplesmente decorativo, mas cumpre o papel de significar o tempo. O objeto antigo tem um estatuto psicológico especial, pois da mesma forma que grupos ou sociedades subdesenvolvidas tentam adquirir objetos “modernos” por conta dos mesmos simbolizarem o que é novo e distinto, há uma tendência dos “contemporâneos” de buscarem simbolicamente o antigo. Baudrillard acrescenta que dessa forma a ilusão de domínio que temos sobre o objeto transforma sua funcionalidade em virtude. Torna-se um signo. Sendo assim, conclui, “o que falta ao homem se acha investido no objeto”.
Será que ocorreu essa nostalgia quando outras mudanças de mídia aconteceram? Será que houve saudade quando se deu a mudança do disco de 78 rotações por minuto para o lp?
A produção de lp no Brasil tem início na década de 1950, mas se desenvolve com força na década seguinte. É sintomático que esta produção esteja identificada justamente com um momento de ouro da música popular brasileira. O que hoje entendemos como MPB tem início justamente com a expansão do lp no Brasil. Pode ser que simbolicamente haja uma nostalgia de um tipo de produção musical. Uma saudade de um tempo que forçosamente não pode mais voltar, a não ser simbolicamente. Esta volta só pode acontecer com a abolição do tempo que intermedia o ontem e o hoje. O culto do disco de vinil cumpriria assim o sentido de um fetiche (objeto material ao qual se atribuem poderes mágicos ou sobrenaturais) capaz de “magicamente” abolir o tempo e nos reintegrar, ainda que psicologicamente, num passado irremediavelmente perdido.




Um comentário:

  1. Muito interessante a relação. Acrescentaria ainda nesta análise, a obra de Jung - O homem e seus símbolos.

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