Sitarista virtuoso, legendário, compositor, professor, e escritor RAVI SHANKAR, é o embaixador musical mais estimado da Índia. É um fenômeno singular, cuja aparição no cenário musical ocidental despertou de pronto o interesse de músicos de vários segmentos musicais. Consta que o grande mestre do bep-bop jazz, John Coltrane, tinha por Shankar uma verdadeira adoração. Como prova dessa admiração Coltrane homenageou o mestre indiano colocando seu nome no próprio filho: Ravi Coltrane.
Shankar foi aluno do ilustre guru Baba Ustad Allaudin Khan e já era uma das estrelas mais luminosas na Índia antes de entrar na cena internacional nas décadas de 1950 e 1960. Desde então, ele foi o pioneiro em disseminar a tradição da música clássica indiana. Na verdade quando Shankar aparece para o grande público, dentro daquela perspectiva underground / psicodélica da década de 1960, ele não era mais um jovem, como a maioria dos artistas que compunham aquela cena: Jimi Hendrix, Janis Joplin, etc. Shankar, na ocasião do festival, em 1969, contava já com 49 anos de idade, e condenava a utilização de drogas para a alteração da consciência.
Mas ainda antes de Shankar aparecer no cenário do Rock no final dos anos sessenta, ele já era figura de destaque no cenário jazz do finalzinho da década de 1950 e início da década seguinte. É através de seus conhecimentos que artistas do jazz como os saxofonistas Bud Shank e John Coltrane vão conhecer as estruturas modais da música indiana, o que será de extrema valia para o uso dessas estruturas na improvisação desses artistas.
É simplesmente comovente o depoimento de Ravi Shankar sobre o encontro dele com John Coltrane. Artisticamente o saxofonista já conhecia a obra do mestre indiano através das gravações em disco. Coltrane possuía praticamente todas as gravações disponíveis no mercado, e quando soube da presença de Shankar nos Estados Unidos providenciou rapidamente para que um amigo comum, Richard Bock, os apresentasse. Isso aconteceu em 1964, e Coltrane tinha nessa ocasião 38 anos (Coltrane morreu em 1967, quatro anos depois). Chamou a atenção de Shankar uma certa santificação de Coltrane por parte de seus fãs: era uma verdadeira adoração. Não obstante este “endeusamento” do músico, Shankar refere-se a ele como alguém cuja humildade o dignificava, e isto ainda mais realçava suas características positivas.
O mestre indiano definiu Coltrane, certa feita, como “uma panela mágica que está cheia com uma música dourada transbordando dele e alimentando os seus extáticos admiradores”. Mas Shankar acreditava que isso era uma carga por demais pesada para um homem, e atribui a esse tipo de adoração, junto com o uso de drogas por parte de Coltrane, sua morte prematura. Eles não chegaram a tocar juntos, pois nos encontros que tinham no hotel onde Shankar estava hospedado, Coltrane não levava o seu instrumento, mas ficava fazendo anotações sobre as estruturas modais utilizadas por Shankar.
Em um certo momento particularmente comovente da conversa, Shankar disse a Coltrane que, se ele não se importasse, iria fazer alguns comentários sobre as suas composições mais recentes. Coltrane teria ficado perplexo com as observações feitas por Shankar, porque estas apontavam para uma percepção de uma angústia contida na música de Coltrane. Shankar acrescentou que em algumas passagens sentia “como um grito agudo de uma alma atormentada”. O mestre indiano dizia perceber isto também em outros artistas de jazz, e que compreendia esse sofrimento em função de fatores históricos. Acreditava, no entanto, que em função da busca espiritual de Coltrane (ele fazia ioga, lia Shri Ramakrishna e era vegetariano) e seu interesse pela música indiana, esse sofrimento seria superado. Em resposta a esta colocação, Coltrane levou lágrimas aos olhos de Shankar dizendo: “Ravi, é exatamente o que eu quero saber e aprender de você… como você acha paz em sua música e passa isto a seus ouvintes."
No final desse ano, 1964, em dezembro, John Coltrane grava um dos discos mais importantes de sua carreira, e um dos mais importantes da história do jazz: “A love supreme”. Não há dúvida que esse disco trás as marcas de um encontro fabuloso entre dois grandes artistas e duas figuras humanas da maior grandeza.
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